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terça-feira, 5 de julho de 2016

Pesquisa em direito, axômetros pinguinizados, análises críticas e conclusões tendenciosas: como sobreviver ao holocausto e a seletividade de ideias e ainda assim, exercitar a reflexão?





(Andréa Madalena Wollmann, Advogada, Mestre em Política Social UFF, Doutoranda em Filosofia Jurídica pela Universidade de Coimbra, Bolsista CAPES DPE.)






Esse texto não tem o objetivo de ser uma espécie de guião de pesquisa. Também não tem intuito de demonstrar o caminho seguro por onde o pesquisador na área do Direito ou mesmo da filosofia jurídica deva se conduzir. A pergunta que move essa análise breve é simples: existe a possibilidade de uma pesquisa não tendenciosa no direito?

Não quero com isso desestabilizar as certezas e conclusões obtidas por pensadores sérios, debruçados em objetos jurídicos por anos para tecer seus comentários e considerações. Muito menos ouso aqui contestar o mister da cientificidade de seus métodos de análise que revestem suas conclusões do viés da verdade científica epistemológica tão em voga. Ao contrário, ou não, como diria Caetano Veloso, se permitirmos um pouco de ironia providencial.
Creio que o dizer a verdade tem sido a grande angustia social, e ao nosso modo de ver, cada ângulo de visão, mesmo o mais restrito é verdadeiro àquele que o emite diante da miopia com que conduz sua percepção e a pressa com que apura suas conclusões. No mundo do google então… O fato é que nunca antes buscamos tanto afirmar a "segurança de nossas analises" e nunca antes profetizamos tanto verdades tão antagônicas diante da interpretação divergente na leitura dos mesmos autores. Porque isso se dá?
Mesmo consultando Humberto Eco e tentando aprender como se faz uma tese, corremos o erro de cair naquilo que Warat chamava de senso comum teórico jurídico, ou o que refiro ser axômetros pinguinizados disfarçados de teorias científicas. E o jurista sabe muito bem ser conduzido por suas paixões de forma a perder o prumo da análise, buscando primeiro ter razão para depois racionalizar algo, tendenciosamente excluindo esse e aquele que discordam do seu ponto de vista, temos que reconhecer. E a partir de discursos muitas vezes baseados na falácia da autoridade, vamos repetindo irrefletidamente o senso comum teórico cristalizado e chamamos visões destoantes de parciais.

Pergunto: será que alguma análise em áreas do conhecimento que não se permitam a transdisciplinaridade a multidisciplinaridade ou a interdisciplinariedade e o pensamento crítico conseguem ser totais? Ou ainda, será que em algum momento conseguiremos compreender a totalidade de um objeto? E se assim o fizermos, por quanto tempo se manterão as conclusões apontadas em nosso método de análise? Talvez até que pelo mesmo método se aponte novo olhar sobre o mesmo objeto visto de um ângulo que ignoramos (quer voluntária, quer involuntariamente).

Pois bem, esse texto não pretende ser como já referi, o algoz das teses e conclusões de pesquisas apontadas. Ao contrário, louvamos quem ouse nos dias de hoje dedicar seu tempo mais as pesquisas que ao facebook, ao WhatsApp ou outra forma de repercussão e rápida veiculação do “conhecimento”.

Mesmo pensando em Marilena Chauí (e me perdoem o método de citação da ABNT, ignorado aqui propositalmente), em seus textos sobre conhecimento científico e senso comum, mesmo discorrendo sobre a importância do método na contraposição de ideias e conclusões ao invés da discussão infundadas dos achismos por aí, me permito dizer aqui, o que penso e não somente me basear nesse ou aquele autor. Carnavalizei como diria Warat. E nesse processo de carnavalização permito refletir sobre o que a cada momento presencio na academia. A exclusão e a absorção de literaturas ao sabor do modismo desse ou daquele Doutor nisso ou naquilo, ou daquele orientador ou ainda daquela corrente teórica admitida como suprassumo. A soberba do repasse de nosso ponto de vista sobre isso ou aquilo ao arrepio dos métodos de análise mais simples diante de outros objetos científicos (qualitativo, quantitativo, bibliográfico, documental, etc.). A auto promoção de egos e pontos de vista no campo do "saber". O me cita que eu te cito. O diz que me disse, tantas vezes, literal e visceral da epistemologia jurídica tendencial.

Talvez ao reconhecer nossa tendencialização teórica, eu, humildemente, parta aqui para uma nova proposta de explicitação de ideias mais adequada com a realidade de nossas posturas cientificas que, muitas vezes, escondem no véu dessa desculpa hermenêutica nossas posturas políticas, nossa visão de mundo mais à esquerda, mais à direita, mais ao centro, mais reflexiva ou apenas “papagaial” e irreflexiva, que tanto se propaga nos artigos que se ampliam pelo mundo dos livros coletânea, revistas “especializadas” em tudo e em nada, e mesmo, reportagens televisivas de “experts” que incutem ainda mais preconceitos aos desavisados do mundo. Frase grande, não?
E se Foucault já nos alerta para os discursos de poder. Se Freud nos posiciona ante ao mal-estar da cultura, também me permito eu, escandalizar-me e escandalizar ao leitor nesse desabafo de uma doutoranda em meio a sua pesquisa de tese. E mesmo que este não seja um texto científico se consideramos a especificidade do método de análise desposado, pode ser considerado uma boa peça literária.E que venham as críticas fundamentadamente redigida e sempre bem-vindas! Afinal quem sou eu para dizer tal coisa, não é mesmo?
Por fim, como sobreviver a mente reflexiva diante do holocausto, da seletividade e dos modismos doutrinais? Com percepção curiosa. De espinha reta onde o pesquisador olha o horizonte buscando, ao menos, refletir e ampliar sua compreensão do mundo em uma realidade que, como bem disse Sócrates, a filosofia ajuda a perceber que diante desse mar de incompreensão de teses compreendidas: só sei que nada sei. E como respondi outro dia a um professor da universidade de Santiago de Compostela a quem muito respeito, que me perguntava se eu era idealista e queria mudar o mundo, penso que as utopias construíram caminhos para novas realidades, os utopistas lançaram novas ideias, os revolucionários, lutaram e lutam por sua implementação e os pensadores devem perceber sua função social de reafirmar os compromissos com a liberdade e a fraternidade, assim, se por hora, não podemos mudar o mundo rapidamente, que ao menos não contribuamos para o resgate de teses sectaristas para que não voltemos nos mesmos erros do retrocesso dantes leviatânico, relembrando aos outros como foi difícil conseguirmos chegar a este ponto de debate, diante de séculos de holocausto e escuridão.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Uma introdução Crítica ao Direito.


Meus alunos de IED, bem como os de penal, sentiram esta semana que o direito pode ser visto por diversas perspectivas.
Descrever o direito requer uma compreensão ampla, radicada em uma visão filófica, em uma pensar sociológico, em um ver antropológico, com algum viés de psicologia, que pormeia a linguagem, a representação, o imaginário, a história e toda sua gama de conhecimentos metajuridicos, inter-muldisciplinares.
São os múltplipos e possíveis olhares sobre esse nosso objeto de cognição que nos possibilitam desvendar os segredos dessa estrutura, a qual, diversas vezes em sala de aula, me refiro como um Matrix que nos cerca.
Hoje, como exemplo, demonstrei na aula de IED que uma cadeira para o mundo do ser, existe em concretude. Mas para o mundo do dever ser, do direito, passa a ser uma representação abstrata da realidade.
Conhecer o universo material que nos rodeia requer um espírito crítico. Conhecer um universo abstrato, ainda mais. O direito é mais que um conjunto de regras, mais que um dever ser, mais que um sistema de normas que estruturam uma dada sociedade, em um dado espaços geográfico, em um determindado tempo. O direito tem ligação estreita com poder e controle, com luta, com valores e ideais de justiça, com exercício de cidadania, com manifestação política ou mesmo representação democrática. Tem fundamentação em uma gama de filosofias que buscam desenvolver teorias acerca do bem comum, da paz, da democracia, da cidadania ou dos direitos humanos.
Para que este universo seja desvendado, para que possamos perceber o mundo que nos cerca como resultante e construtor de nossa realidade social, é preciso permanecer atento, mantendo uma percepção crítica capaz de observar os diversos ângulos que compõem o direito sem nos deixar manipular ou cegar por qualquer ideologia.


Por fim, caros alunos do direito e de IED, segue um link para acessarem a parte da Introdução ao direito do Livro do Michel Miaille que li para vocês em sala de aula. Boa leitura.





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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Ensaio...

Texto postado no blog: http://www.ideiasemimagemeverso.blogspot.com/

Reflexões...


O mundo está ao contrário? ninguém reparou?
Tudo na vida é uma questão de percepção...
E me permitam tentar refletir sobre a realidade que buscamos representar através de elegorias, simbologias carnavalizadas, como diria Warat...
O mundo está ao contrário... Em que ângulo?
Ou somos nós que estamos ao contrário?
Visões distorcidas de um eu que nega o outro
e o direito do outro, ser ele mesmo...
Somos e existimos enquanto sujeitos na troca com outro sujeito,
Que nos atravessa, e nesse encontro, não somos mais os mesmos, nunca mais...
Mas nossas visões e percepções distorcidas, míupes, não nos permitem refletir a realidade...
Verdade é um conjunto de representações carnavalizadas, repletas de alegorias que tentam explicar o que ainda não compreendemos.
Então passamos a representar... Isso não é o que é, mas aquilo que eu digo (ou penso) que significa...
E prometemos, trocamos, juramos simbolos com pesos e medidas diferentes...
Conforme a carga de subjetividades e de encontros de cada sujeito...
Eu te amo, tu me amas? Amo!
Mesmo um sim ou uma jura, não valem a mesma coisa, representam visões diversas, pelo menos duplices, sobre o amor...
Pedro, tu me amas? Amo!
mas antes do cantar do galo Pedro negou-o por três vezes... mas Pedro o amava, como pode então negá-lo???
Amor, amizade, direito, dignidade, famíla, justiça... valores com alta carga de subjetividade...
O meu amor não é o teu amor...
enquanto simbolos, representam valores diferentes...
Mas eu quero que tu me ames, em que medida? Nem mesmo sei...
A visão do eu e do outro também não são as mesmas...
Não amamos o outro, mas a representação que fizemos dele...
Daí negarmos o direito do outro ser ele mesmo...
E quando ele insiste em ser o que ele acredita ser ele mesmo, não o amamos mais!
Nos iludimos e desiludimos com tanta facilidade...
Porque para nós, também os valores com que compomos a representação do amor tem peso, relativo...
O que eu amo?? Você algum dia me amou?? Eu me amo???
Quem sou eu?? Quem realmente eu sou??
Só me descubro na troca com o outro, mas para trocar, preciso vestir uma mascara para que este outro também me aceite...
Logo, não sei quem sou, muito menos quem o outro é.
Que personagem eu sou??? Eu sou ou estou assim???
O que busco? Já amei?? O que é real??? O que é irreal????
Real e realidade, lá vem Lacan...
Somos a medida de todas as coisas... E não conhecemos nossa própria medida...
O mundo está ao contrário e ninguém reparou?
Ou sou eu que fui colacada de cabeça pra baixo?
Ou ainda, me coloquei?
De certo, a madrugada serve para isso... propiciar devaneios filosóficos que beiram uma confissão lunática!
Filósofos e loucos estão certos... então me permitam ser só(crática):
De tudo, só sei, que nada sei!!!




AMW - Fênix!

sábado, 28 de novembro de 2009

Sétimo Ensaio

Em que resulta a ausência do Estado nas comunidades?


O Estado nasceu com uma função social integradora. Na busca desesperada de segurança e de paz, consolidou-se o Estado de Direito e firmou-se um contrato social aos moldes Russonianos. Como afirma Norbert Elias, o Estado foi fruto de um processo civilizador onde imperou a força do moinho satânico da revolução industrial. No entanto, algumas pessoas foram deixadas a margem nesse processo civilizador.

Zaluar nos demonstra que a história das Favelas é uma história de abandono e ausência do Estado e de políticas sociais nas áreas onde as mesmas se desenvolveram. O Estado só entrava ali vislumbrando a comunidade como um inimigo potencial, através de práticas policias discriminatórias e muitas vezes genocidas.

O Tráfico e as Milícias encontraram nestas comunidades campo fértil ante a ausência e o abandono daquela população pelo Estado e pela sociedade civil ou, pela população do asfalto. A política de segurança pública baseada no "Caverão" é genocida e não corresponde ao problema da violência.

No imaginário coletivo ainda predomina a visão esteriotipada e preconceituosa das comunidades. A mesma visão estigmatizadora que associa pobreza à violência, que confunde marginalizados com marginais. O império do medo é cotidianamente utilizado como fonte de renda. A tragédia e o crime vendem jornais, mantém governos, práticas de "segurança", indústrias bélicas, corrupções de toda ordem e discursos políticos eleitoreiros... A guerra ao tráfico legitima a violência institucional e o desrespeito à cidadania.

Nosso medo não corresponde a realidade. Segundo Alvito, cerca de apenas 6% das populações das favelas tem alguma relação com o tráfico, logo, desrespeitamos todos os dias no Rio de Janeiro os direitos civis de 97% de cidadãos moradores das comunidades.

Gilberto Velho nos fala das dimensões geográficas do abandono social no Brasil. As comunidades são carentes da figura do Estado no que diz respeito aos direitos básicos e as políticas públicas, mas também dos serviços e direitos relativos ao desenvolvimento do próprio moinho satânico de que se referiu Elias.

O resultado da ausência do Estado é a implementação de um Estado paralelo, seja através do tráfico, seja através das milícias.

Um quadro grave, que precisa ser discutido com urgência.

A reportagem a seguir encerra a minha fala. Deixo que um traficante termine falando por mim...





É hora de refletirmos!!!!!



(Andréa Wollmann)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sexto Ensaio




sexta-feira, 13 de Novembro de 2009

Discursos, métodos, metodologias e implementações teóricas: a frieza da alma na ausência do coração.


O amor está barrado na academia. A violência com seus dados bárbaros, sim, esta pode entrar. Podemos teorizar a cerca da barbárie, mas o amor, ah, o amor, este não tem lugar no campo teórico. Este, pensava eu, é o problema do pensamento científico. Eivado de razão, esqueceu os sentimentos. Perdeu o sentido. Para contrapor os dogmas da fé, perdeu-se em novos dogmas de verdade científica.

Que ciência é esta que mede os sentimentos? Impossível ciência.
Entretanto, para minha felicidade, novos apelos acadêmicos surgiram e achei: sim, eis o caminho, redescobrimos o amor como ferramenta de alteridade, como possibilidade de reverter o processo de lobotomia moderno a que nos submetemos! Há aqueles que housam teorizar sobre o amor, mesmo correndo o risco de ser contestado em suas terias e métodos! Vivas!

Porém, ledo engano. Velhas idéias borradas com novas tintas metodológicas ainda vazias de sentimento nada podem mudar.

Não. Não há como teorizar sobre o amor. É preciso sentir, vibrar, pulsar latente o coração que ama.

O amor em si mesmo, como mero objeto de análise romântica, não significa nada senão um discurso político-ideológico de muitos acadêmicos, mestres e doutores do saber, que com sua vaidade crêem ter encontrado o Santo Graal. Arriscam indicar metodologias alternativas, novas implementações teóricas sobre o amor e a necessidade de alteridade, de mudança, de respeito, de diversidade. Novas concepções sobre o amor, a sensibilidade, a humanidade e seus direitos “humanos”.

Brados por novos espaços de sensibilidade se abrem, como se nós, pobres e falíveis mortais, pudessemos ensinar ao outro e nos abrir através de seu discurso de sensibilidade. Sim, porque esta construção teórica acaba parando nas mãos e no nome deste ou daquele pensador que nos fala a alma que, repleta de sonhos e desespero ante a frieza metodológica das relações do cotidiano, anceia novas possibilidades que permitam o retorno a nossa criança íntima. Ele nos fala do nosso desconhecido, do nosso obscuro desejo de felicidade.

Como uma harpa encantada, ecoa cânticos que nos embriagam a alma e nos deixam apaixonados por suas teorias sobre o amor e a alegria. Teórico e teoria se confundem em nossos sentidos ainda dormentes agora despertos mas ainda embriagados pela melodia. Eis nosso ledo engano.

Ao nos abrirmos ao encantamento embriagante do vinho amoroso que nos serve imaginamos que o anfitrião é alguém também repleto de sensibilidade e amor. Esquecemo-nos de nossa condição humana e falha. Nos abrimos ao amor e esperamos ser amados. Buscamos a alegria contagiante do encontro mágico amoroso proposto.

Mas o amor não está nas belas palavras. Está na real capacidade de sensibilidade e solidariedade com o outro. Está nas ações que não necessitam ser teorizadas nem descritas. Está no que se sente mas também no que se faz.

Na ausência de alma teórica, o homem velho que habita em nós ainda banha a nova teoria, mesmo que pintada em lindas e coloridas cores e matizes. O encanto do velho mago se desfaz nas suas atitudes e nos deixa nus diante da indiferença científica. A frieza da alma na ausência do coração nas práticas do dia a dia vem a tona como um banho frio que nos acorda para a realidade. Tristeza nos percorre neste instante.

Mas nada está perdido. Eis que mesmo assim, avançamos. Embora ainda estejamos envolvidos pelo frio científico coração em nossas percepções, assim como o velho mago, somos agora homens melhores que antes, mais conscientes da verdadeira necessidade de amar. Despertamos para o fato de que o amor e o respeito a alteridade não são apenas elementos teóricos a serem defendidos em belas teses e discursos do dever ser. Precisam ser uma construção de ações e relações humanas na implementação concreta de um novo dia. Mesmo falhando na implementação, já reconhecemos o caminho e diante desta nova cartografia, quem sabe cheguemos um dia a encontrar nossa Ilha desconhecida.

O homem velho ainda habita em nós, mas podemos sempre, aperfeiçoá-lo amoravelmente. Necessária é a presença do coração e o aquecimento da alma nas ações que construirão e manterão as relações amorosas de que tanto necessitamos.



Andréa Wollmann


Texto postado originalmente em:
http://razoar.blogspot.com/2009/11/discursos-metodos-metodologias-e.html



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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Quinto Ensaio.


Por um novo paradigma ao ensino do Direito*.
O ensino jurídico é um dos temas que abrasa o pensamento de todos aqueles que, vinculados ou não ao mundo jurídico, pensam uma democracia para o Brasil eis que a perpetuação do autoritarismo e das condições que mantém as desigualdades sociais e impedem a ampliação da cidadania no país, está ligado, de forma evidente, à contribuição de nossas faculdades e cursos de direito retrógrados e estagnados. Conforme argumenta Horácio W. Rodrigues(1), o ensino jurídico brasileiro, desde sua origem foi marcado como “um ensino voltado à formação de uma ideologia e sustentação política e à formação de técnicos para ocuparem a burocracia estatal”,características que continuam ainda presentes, hoje, sob novas formas e matizes.

As preocupações com o ensino jurídico no país, infelizmente, têm sido focadas apenas no âmbito da “metodologia didático-pedagógica” mais adequada ao ensino do Direito e no curriculum mais apropriado dos cursos, centrando-se na discussão sobre a bipolaridade da teoria versus prática. Esquece-se que o ensino jurídico não é apenas uma fonte material do Direito, uma vez que forma o senso comum sobre o qual se estrutura a prática dos egressos dos cursos jurídicos, bem como é fonte política, pois os saberes por ele transmitidos reproduzem a sociedade autoritária e o estado burocrático existente no país, servindo como força estagnadora e como empecilho à construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e pluralista. Conforme Roberto Aguiar(2), “o direito é a ideologia que sanciona, é a linguagem normativa que instrumentaliza a ideologia do legislador ou a amolda às pressões contrárias, a fim de que sobreviva”.


O ingresso do aluno na vida acadêmica é um momento de profundas mudanças em seu universo de conhecimento, um convite a novas descobertas, a desvendar um mundo desconhecido, porém fascinante que, aos poucos, vai lhe sendo revelado por seus mestres a medida em que estes abordam as características intrínsecas e extrínsecas da profissão escolhida. Conforme muito bem refere Michel Miaille(3), o professor terá a tarefa de guia nesta jornada rumo ao saber, fazendo com que o aluno descubra a ciência jurídica, penetrando neste universo novo e desconhecido.

Não se pode negar o fato de que nossa atualidade caracteriza-se pelo pensamento apresentado de forma fragmentada, provisória e em constante reformulação conforme os interesses dos que tem o poder de comando de uma sociedade onde o cidadão confunde-se mais e mais com um consumidor. Neste contexto, também a introdução ao saber universitário se dá por vários caminhos condicionados a valores e ideologias. Não há, portanto, neutralidade nesta jornada, pois tanto o estudante quanto o professor situam-se na academia a partir de convicções e valores que lhes foram postos no decorrer de sua formação, pelas estruturas que influenciam a construção de sua personalidade, tais como família, escola, igreja, meios de comunicação, etc. A atividade de ensino nunca será totalmente isenta de condicionamentos ideológicos.

Existem, assim, várias introduções possíveis ao aluno neste “novo mundo” ao qual ele adentra, cada qual possui racionalidade e interesses próprios, por vezes setorizados. Ao professor cabe a responsabilidade (das mais difíceis, uma vez que as estruturas condicionam ao aluno a não pensar) de abrir-lhe as portas do conhecimento e orientar-lhe em sua caminhada acadêmica, com seriedade e competência, instigando ao aluno a reencontrar a “paixão” pelo saber. Conforme Maria Cândida de Moraes(4),

“(...) a pedagogia atual não poderá se contentar em ser mera transmissora de conteúdos e informações, embora como insumo a informação seja fundamental. Ela deverá ir muito além, pois a emancipação, pessoal e socialmente, requer muito mais do que a mera transmissão e a mera reprodução da informação; ela exige a capacidade de construir e reconstruir conhecimentos, ou seja, o desenvolvimento da autonomia”.

O Direito é parte integrante das ciências sociais e como tal é um conhecimento eminentemente crítico(5). Ao pedagogo-jurídico importa fazer aparecer ao aluno o invisível no processo do conhecimento, indo além das aparências. Conforme Darcísio Corrêa(6), não se pode captar a complexidade da realidade social pela mera descrição do que é visível, pela simples experiência sensível. O professor de direito deve se conscientizar de seu compromisso social, de sua atuação política na sociedade pois é um microlegislador que poderá reproduzir o sistema de desigualdades sociais em que se encontra inserido ou semear novas idéias e utopias reforçando a luta pela mudança e pela concretização da democracia.

Conforme muito bem refere Horácio W. Rodrigues(7), o problema do ensino jurídico não se reduz a questões curriculares e didático-pedagógicas. Currículo e metodologia do ensino são meras conseqüências de uma estrutura de pensamento e de uma prática já estabelecidas; são conseqüência do senso comum dos juristas. Há que se ter consciência que o professor de direito é apenas um estudante mais experiente, que já galgou alguns passos em direção ao saber, o qual apenas orienta o aluno na sua tarefa de acumulo do conhecimento, com os meios e informações de que dispõe. Logo, o jurista não consegue ensinar aquilo que ainda não assimilou.

Ressalte-se o fato de que a maioria dos professores de direito não tem qualquer formação na área educacional, sendo, em sua grande parte, advogados, promotores, juízes, delegados, ou seja, graduados que exercem o magistério ou como forma de algum status que os ajudará nas suas reais carreiras, ou como forma de complementação da renda. Como conseqüência disso, não vivem a realidade acadêmica e não se dedicam à pesquisa, restringindo-se a reproduzir em sala de aula as velhas lições de seu tempo de estudantes somadas à sua prática na atividade profissional que desenvolvem. Como agravante desta situação, os professores são divididos em disciplinas diversas, com conteúdo programático pré-definido de forma estanque, como se o direito não fosse um todo que se complementa, o que dificulta ainda mais a troca de idéias e o amadurecimento de novas posições.

Neste ponto, emerge uma questão delicada, a capacidade do professor, embora lecionando uma disciplina curricular específica, transmitir ao aluno um conhecimento interdisciplinar do direito. A questão do ensino interdisciplinar (tão em voga) tem de ser revista, não podendo figurar apenas como a introdução no currículo de uma série de disciplinas de outras áreas do conhecimento que propiciem, cada uma delas, a sua visão isolada do fenômeno jurídico, de forma que acaba por trazer ao aluno uma série de visões estanques, sem contudo, propiciar-lhe uma compreensão de sua totalidade. Aliás, o que tem sido feito em termos de educação jurídica tem mais o caráter de reprodução de velhos conhecimentos que de um caráter multidisciplinar ou mesmo interdisciplinar.

A sociedade vive em um processo constante de movimento e o aluno tem de estar apto a acompanhar estas mudanças e alcançar à sociedade os meios de que ela necessita para concretizar-se justa. Neste sentido, a plena apreensão do direito enquanto objeto de reflexão exige mais que um saber técnico, pois requer um estudo profundo dos fatores históricos que o produziram bem como das implicações que joga sobre o futuro. Com isso, o conhecimento crítico-científico, ao invés de apenas descrever os acontecimentos sociais juridicamente regulados, insere-os na totalidade do passado e do futuro da sociedade que o produziu.

O pensamento crítico necessário ao egresso na atualidade é mais que o pensamento abstrato, é um pensamento dialético que parte da experiência de que o mundo é complexo: o real não mantém as condições da sua existência senão numa luta, quer ela seja consciente ou inconsciente. Mais precisamente, o pensamento dialético ou crítico é aquele que compreende esta existência do contraditório, pois, conforme Miaille(8),

“(...) este, encara-o não só no seu estado atual, mas na totalidade de sua existência, quer dizer, tanto naquilo que o produziu como no seu futuro. Este pensamento pode pois, fazer aparecer o que a realidade presente me esconde atualmente e que, no entanto, é igualmente importante. A realidade é coisa diversa e muito mais do que está codificado (...) na linguagem dos fatos”.

Urge que nos debrucemos à investigar os problemas atuais do ensino jurídico e as alternativas possíveis para que o mesmo possa corroborar para a formação de um acadêmico que consiga compreender o direito em relação aos fatos que lhe permitiram a existência, bem como, em relação ao que projeta para o futuro, tornando-o solidário com os demais fenômenos da história social, bem como com as ciências que tentam explicar estes fenômenos. É necessário encontrar alternativas para que o pedagogo-jurídico consiga instigar o estudante a munir-se de informações (das mais variadas fontes de conhecimento) e estimulá-lo a cultivar valores ético-políticos oriundos de posicionamentos conscientes, embasados em um raciocínio lógico, mas também sensível, humanista, uma vez que, o perfil ideal do bacharel em direito aponta para um profissional bem informado, munido de uma formação voltada para o pleno exercício da cidadania. Apenas essa dupla dimensão permite a percepção da realidade além das aparências(9). Não existem, portanto, dogmas irrefutáveis nem verdades absolutas, também inexistem donos da verdade, sem preconceitos e estereótipos.

Neste ponto, me permito citar novamente as palavras do professor Darcísio Corrêa(10), pois comungo de cada uma delas:

“A busca de novas verdades pressupõe espíritos desarmados, pois a construção do saber implica constantes reformulações, que de forma alguma significa abdicar dos princípios e valores fundamentais que norteiam nossa jornada. O que conta, em última análise, é a vida, vivida na plenitude de nossas limitações. Cabe ao direito [e ao pedagogo-jurídico, me permito afirmar], enquanto regulador da conduta social propiciar as condições de possibilidade de sua efetiva concretização em termos de igualdade, dignidade e solidariedade humanas. Que as presentes reflexões sejam um marco a mais na sempre renovada tarefa de construção da cidadania num contexto planetário de globalização voltado para a solidariedade e para a reciprocidade ao invés da exclusão social e da descartabilidade do ser humano.

É nesta jornada rumo ao engajamento por um conhecimento jurídico resultante de uma proposta de alternativas para conseguirmos a um ensino de qualidade humanista que precisamos nos esforçar, traçando assim, novas perspectivas para a educação e construção da cidadania no Brasil. Afinal, sem as utopias não há transformação da realidade e sem possuirmos esperança de construirmos um mundo novo, não há razão para a vida. A mudança social, em nosso entender, começa pelos bancos acadêmicos.

Referências:
(1) RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico: Saber e Poder. São Paulo: Acadêmica. 1988, p. 09.
(2) AGUIAR, Roberto A. R. de. Direito Poder e Opressão. 2ª ed. São Paulo: Alfa-omega, 1984, p. 79.
(3) MIAILLE, Michel. Uma introdução crítica ao direito. Lisboa: Moraes Editores, 1994. p. 17.
(4)MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. São Paulo: Papirus, 1997. p. 145/146.
(5) CORREA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico políticas. Ijuí: Unijuí, 1999. p. 15. Segundo o autor, o termo crítico ultrapassa seu significado habitual, objetivando: “por em questão o conjunto ou a globalidade do fenômeno jurídico dentro das relações sociais.”
(6) CORREA. Ob. Cit. p. 16.
(7) Ob. Cit. p. 107.
(8) Ob. Cit. p. 22. Grifos meus.
(9) CORREA, Ob. Cit. p. 18.
(10) CORREA. Idem. p. 19.

* WOLLMANN, Andréa Madalena. Texto oriundo do projeto de pesquisa: Novos Olhares para o ensino Jurídico no Brasil.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Quarto ensaio

Reminiscências e reflexão: direito em metarmofose.*


Lembro-me da minha entrada na Universidade e neste passeio pela vida se vão quatorze anos que não vi passar. Adentrei a Universidade no Curso de Direito, sedenta por mudança, sedenta por Justiça, com a vontade de mudar o mundo comum aos jovens idealistas que adentram todos os anos os bancos das faculdades de Direito neste país.
A Unijuí era um lugar que nos propunha ser diferente, fazer a "diferença". Uma proposta de Universidade, de reunião em prol da busca do conhecimento. Eu, que nunca sonhara estar numa Universidade, ali estava, vinda de escola pública, de família pobre, depois de tantos afirmarem, por anos, que era impossível à "nós" aquele espaço de saber.
Logo conhecia o professor de Filosofia do Direito que nos fazia a seguinte pergunta: Que é Direito, que é Justiça, que é Democracia? Lembro que me foi dado ler o livro de Roberto Lyra Filho (Que é Direito), onde ele tentava definí-lo como sendo: “...............” (o que ele é mesmo (?)).
Inquietação, dificuldade de entender o que nos propunha o professor (a mesma inquietação que hoje vejo em meus alunos)... nossas bases foram rompidas e desde então nunca mais fui a mesma, tive de rever as teorias em mim enxertadas ao longo dos meus 21 anos de então.
Passo seguinte, fui apresentada ao livro de Roberto Aguiar que parecia responder a pergunta sobre o que é Justiça e passei a estudá-lo, vendo como ele brilhantemente definia Justiça como sendo uma bailarina que ora dançava com os poderosos, ora com os miseráveis, num balé estranho cuja profundidade me escapava a percepção. Também tentei conceituar o que seria direito em sua obra#, e descobri que ele anda junto com o poder e a opressão, mas que ele poderia simbolizar um espaço de libertação.
Aos poucos, me apresentaram Hobbes, Locke, Rosseau, Monstesquieu, Platão, Aristóteles, Maquiavel, Kant, Kelsen, Bobbio e tantos outros... tantas estrelas agora abrilhantavam meu obscuro céu, sedenta de conhecimento, bebia da taça que me serviam com a gula de uma criança. Por fim, certo dia me chega às mãos um texto de Warat... um descortinar da realidade, um rever a linguagem, os símbolos, a vida... um descortinar de uma nova possibilidade de análise, hermenêutica. Warat foi paixão a primeira vista, ao primeiro texto. Mas o direito alternativo, em voga, também nos apaixonava. Assim, cruzei cinco anos na velocidade jamais imaginada por mim e quando percebi, me formei, alternativa, em meados de 2000.
Após algumas leituras, me descobri garantista, e depois disso, me surpreendi resgatada por Warat, mensurando a possibilidade de um movimento surrealista no direito. O direito, como até aqui pensando, foi incapaz de resolver velhas questões, e outras novas despontam buscando respostas.
Através dessa pequena catarse, o que se vislumbra é a constante possibilidade de mudança: a metarmofose. Assim, também o direito precisa movimentar-se.
Ideal do direito é que seja emancipatório e não mais, legitimador de uma ordem jurídica. Eis a perspectiva Waraniana.
Passamos muito tempo discutindo com duas dimensões tradicionais de direito – jusnaturalismo e juspositivismo que a partir da Segunda Guerra mundial entraram em crise, ante aos efeitos dos massacres de então. Em termos de refinamento teórico essa crise se apresenta nos anos 70, pelas tentativas de explicar o mundo do ser pelo mundo do dever ser.
Ao mesmo tempo reaparecia o ante-positivismo resgatando a pricipiologia e os valores contidos nas regras. As antinomias precisavam ser resolvidas e usamos critérios de ordem pratico-tecnologicas para tanto.
Quando apareciam dilemas onde valores fundamentais apareciam em conflito e precisavam organizar a dogmática constitucional contemporânea – neo-constitucionalismo (as normas só dizem o que alguns leitores dizem que as normas dizem). Arbítrio de decisão não é arbitrariedade. Surgem as discussões hermeneutico-consitucionais.
O verdadeiro fundamento da norma surge das expressões sociais, no diz Warat. As antigas discussões de pronto estão ultrapassadas pela história. Nos últimos 20 anos no mundo todo, demosntramos a carência dessas respostas as questões que se apresentam.
A velocidade da globalização deságua também na globalização da responsablidade, devido a velocidade das informações. Na visão Waratiana somos responsáveis pelo mundo, pela humanidade. Pela facilidade de transporte, a migração aumenta e os valores circulam com maior velocidade no mundo, estas pessoas são portadores de valores subjetivos próprios de suas origens que aumentam a diversidade de alteridade no mundo.
Como fica a questão da igualdade, se somos diversos. Estamos dispostos a defender a igualdade quando a igualdade corresponde o direito a diferença?
A realidade nos confronta com inúmeros processos contraditórios, (global, local, diversidade e homegeneidade... etc) e constantes crises das representações politicas como bem diz Warat. O social não é natural, a realidade não é materialidade certa, é sentido, símbolo (significação agregada de sentido), artefato construido pelo homem, historicamente e de forma intersubjetiva, carregadas de contextualidade, de hegemonia.
Precisamos construir uma nova teoria do imaginário. Para tanto, necessário conjugarmos uma ação descrita na frase repetida pelo Teatro Mágico: "Os opostos se distraem, os dispostos, se atraem". Sejamos nós, atraidos por uma proposta construtiva de uma nova realidade.

* Wollmann, Andréa Wollmann.



"Sintaxe À Vontade
O Teatro Mágico
Composição: Fernando Anitelli

Sem horas e sem dores
Respeitável público pagão
a partir de sempre
toda cura pertence a nós
toda resposta e dúvida
todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser
todo verbo é livre para ser direto e indireto
nenhum predicado será prejudicado
nem tampouco a vírgula, nem a crase nem a frase e ponto final!
afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas
e estar entre vírgulas pode ser aposto
e eu aposto o oposto que vou cativar a todos
sendo apenas um sujeito simples
um sujeito e sua oração
sua pressa e sua verdade,sua fé
que a regência da paz sirva a todos nós... cegos ou não
que enxerguemos o fato
de termos acessórios para nossa oração
separados ou adjuntos, nominais ou não
façamos parte do contexto da crônica
e de todas as capas de edição especial
sejamos também o anúncio da contra-capa
mas ser a capa e ser contra-capa
é a beleza da contradição
é negar a si mesmo
e negar a si mesmo
pode ser também encontrar-se com Deus
com o teu Deus
Sem horas e sem dores
Que nesse encontro que acontece agora
cada um possa se encontrar no outro
até porque...

tem horas que a gente se pergunta...
por que é que não se junta
tudo numa coisa só?"

domingo, 26 de julho de 2009

Terceiro Ensaio



Qual o local da diferença no debate sobre solidariedade?*
Em moda na atualidade, o discurso da solidariedade nos faz refletir a possibilidade da construção de um espaço onde seja possível uma aliança entre as diferenças. Qual o local da diferença no debate sobre solidariedade? O que é a solidariedade, uma possibilidade de projeto, uma utopia, um referencial teórico?
Vislumbramos a solidariedade em Richard Rorty como um “slogam”, uma possibilidade de análise ou discurso para nos fazer repensar as relações sociais, os outros e a nós mesmos. Um instrumento para possibilitar o reconhecimento da existência da diferença e a possibilidade de conciliação entre os sujeitos. Em seu texto sobre Rorty, o professor João Bôsco Hora Góis nos demonstra esta necessidade de construção de um espaço de alteridade social, onde a solidariedade possa ser vista como instrumento capaz de fazer refletir e rever os espaços sociais destinados as diferenças Há muito trabalhamos a diferença com certo receio. Codificamos as condutas, as pessoas, os usos, para facilitar uma sensação de segurança capaz de traduzir uma possibilidade de previsibilidade de comportamento do outro, este ser que nos é desconhecido. Concentramos a perspectiva no indivíduo e utilizamos esta medida como referencial, desconsiderando as diferenças, discriminando-a. Elias nos refere bem este comportamento na obra os Estabelecidos e os Outsiders. O discurso individual, no entanto, não nos permite a possibilidade de construção de uma análise de percepção da alteridade.
Diante das mudanças estruturais e dos processos históricos, de tempos em tempos, revitalizamos estigmas antigos, redefinimos os marcadores das diferenças e mantemos a mesma postura de receio com aquelas identidades que aprendemos a observar e a isolar quer dentro de viés econômico, social, cultural ou mesmo preconceituoso.
Isso nos impede qualquer tentativa de estabelecimento de laços de solidariedade.
A alocução da solidariedade deverá ser observada como instrumento capaz de nos fazer ampliar a percepção do outro. O reconhecimento e a aproximação daquele outro que está ao nosso lado, como também, daquele outro que está do outro lado do rio, e daquele que está ainda mais além. Uma possibilidade de busca de um novo modelo comportamental e político. Não mais a construção de uma Pátria, eis que a figura do pai autoritário, provedor e punitivo não resolve mais os problemas sociais que enfrentamos; nem de uma Mátria, eis que ainda estaríamos diante de um discurso de autoridade da mãe entre estabelecidos e estranhos. Uma possibilidade de uma construção de uma alternativa, uma Fátria, como menciona Maria Rita kell, ou comunidade entre irmãos.
O lugar da identidade na solidariedade está exatamente na possibilidade, através dessa ferramenta de análise, do reconhecimento da alteridade humana. A busca de uma nova utopia, a da concretização de uma irmandade humana ou de uma humana irmandade, onde o conhecimento do eu, do indivíduo, seja um dado construído através da percepção da existência do outro. O reconhecimento da dependência recíproca de todos os seres.
Para haver solidariedade, é necessária a construção de laços de confiança, o que só é possível a partir de uma ótica disposta a aceitar a alteridade, a diferença, o outro. O outro como elemento de reconhecimento do eu. Um pacto não mais entre indivíduos, mas entre alteridades com a finalidade de uma sociedade mais justa, democrática, solidária e participativa. Não mais discutir o que é interessante ao indivíduo na esfera pública, mas quais as demandas comuns entre as alteridades devem ser atendidas na busca de um lócus de solidariedade. Um compromisso humano na gestão de um bem comum onde as diferenças sejam respeitadas e incluídas no processo político.

* Wollmann, Andréa Madalena. Texto elaborado a partir da segunda avaliação da disciplina Sujeitos sociais e proteção social, sob a orientação do professor João Bôsco Hora Góis, no Mestrado em Política Social da Faculdade de Serviço Social da UFF.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Segundo Ensaio


As possibilidades de resistência individual e coletiva durante a escravidão no Brasil.*

A análise da questão da escravidão no Brasil nos permite observar como em situações de extrema ausência de direitos os indivíduos e os grupos estabelecem formas de resistência e de construção identitária a partir de signos, códigos culturais, formas de ação e referencial religioso. Nesse sentido destacam-se as obras deautores como Mary Karash, Luiz Alberto Colceiro e Carlos de Araújo, bem como João José Reis, dentre outros.
Os autores demonstraram a situação de subumana a que foram submetidos os escravos na nossa história precedente, chegados de lugares os mais distintos, com matizes culturais diversas, expropriados por sua constituição mercadológica do reconhecimento enquanto ser humano. A forma como eram vendidos e mantidos na cidade, nos mercados ou levados ao interior do país acabava determinando seu futuro mais ou menos trágico. Os escravos da cidade acabavam tendo uma melhor condição de sobrevivência, embora distante daquilo que se poderia cogitar como algo bom.
Na sua obra Karasch discorda da posição de que os senhores eram bons com seus escravos como mencionava Gilberto Freire em sua obra Casa grande e Senzala. Ao contrário, Karash destaca com requintes descritivos a condição de subumanidade em que os escravos eram transportados, vendidos, mantidos, traficados, leiloados, mortos, sepultados, etc.
Segundo a autora, entre os escravos havia um reconhecimento e um estranhamento em razão da origem dos mesmos (crioulos, mestiços, ladinos, etc). Escravos e livres não se reconheciam, a ponto de negros livres adquirissem escravos para si. As identidades eram fragmentadas tanto quanto as origens dos negros que aqui se encontravam, em um primeiro momento, o que dificultava a resistência coletiva.

No que tange a resistência individual, os autores ressaltam desde os pactos de obediência entre escravo e senhor com esperança da troca de sua mansuetude pela possibilidade futura de compra de alforria, até as práticas violentas como o suicídio e o assassinato. Sendo o escravo uma mercadoria cara, era imperioso que este não estivesse deprimido ou doente para que fosse uma boa mercadoria de venda, por esta razão as ferramentas dos mercadores eram a dança, os ritos, o tabaco, etc.
A construção de uma resistência coletiva acabou possível através da construção de laços sociais de solidariedade entre os escravos que eram mantidos em cativeiro. Isso era possível de um lado, através do reconhecimento do sofrimento do outro e da condição comum que atravessavam, mas também pela dança e crenças que alcançavam uma forma de identificação sígnica, construída a partir de ritos e danças, jogos e linguagem própria de cada grupo.
A religião e a dança constituíram assim importantes fontes de resistência e de identidade, tanto individual quanto coletiva, eis que o preparo de poções e a possibilidade de feitiçarias capazes de matar (que nada mais eram que a manipulação de veneno para este fim) criavam uma mística ao redor do poder dos praticantes das religiões africanas. O candomblé e a umbanda como resultados desta forma identitária demonstram a tentativa de sobrevivência destes escravos de algo inerente a sua cultura, a um segredo e um saber seu, retido e repassado aos seus.
De outro lado, a assimilação da religião católica por certas práticas de cultura religiosa escrava, apropriando-se dos santos e a seu modo, redefinindo sua identidade associando-os a figuras da natureza ou que representavam ídolos de origem africana também demonstra esta capacidade de resistência coletiva e de uma formação de uma identidade cultural com signos próprios. A necessidade de pactos com pessoas brancas dotadas de algum poder para sua proteção era perfeitamente vislumbrada pelos negros, como ressalta Reis na descrição de sua obra. A lógica das negociações era uma lógica de preservação (muitas vezes individual).

Em razão dessa capacidade de resistência, quer coletiva, quer individual, os senhores acabavam formando alianças e pactos com seus escravos (como por exemplo, a expectativa de alforria por bons serviços, ou pela compra), as quais eram constantemente rompidas, criando contrariedade entre os escravos. Isso, aliado ao alto preço do escravo local com a proibição da entrada de novos escravos acabava tornando necessária aos senhores de escravos a adoção de políticas que quebrassem os elos sociais estabelecidos nas senzalas das Fazendas ou nas senzalas urbanas. Segundo Couceiro e Araujo, a transferência de escravos, a venda de alguns a troca pois outros possibilitava esta ruptura, pois que os recém chegados eram vistos como estranhos, desconheciam os signos daqueles que ali estavam e precisavam adaptar-se constantemente. Os laços familiares também eram rompidos desta forma, enfraquecendo a possibilidade de fortalecimento de laços de resistência coletiva mais violentos.
As lutas, as fugas, as rebeliões e os Quilombos, por sua vez, demonstram a tentativa de articulação de movimentos de resistência deste escravo oprimido em um momento histórico de total ausência de condições de liberdade e autonomia. A capoeira como dança e como arma de luta se destaca. A construção dos Quilombos como espaço de luta e resistência, bem como de asilo dos escravos fugitivos demonstra que nem todos os cativos consentiram livremente a condição a que foram submetidos pelos senhores de escravo, pelos mercadores e traficantes que os fizeram mercadoria valiosa após 1808.
Desta forma, a breve análise das discussões apontadas nos leva a refletir sobre os problemas relativos a construção da identidade e de organização de uma resistência contra a ausência de vínculos de proteção ou diante de uma realidade de aniquilamento. Conclui-se que em situações de extrema necessidade os indivíduos e os grupos acabam se reconhecendo e se organizando a partir de signos próprios e compartilhados, de códigos culturais, de formas de ação e referencial religioso ou místico, a fim de construir estratégias de resistência e de construção identitária.

* Wollmann. Andréa Madalena. Texto elaborado a partir das discussões e obras lidas durante a disciplina Sujeitos sociais e Proteção Social, sob orientação do professor João Bôsco Hora Góis, no Mestrado de Política Social da UFF.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Primeiro ensaio


Modernidade, Identidade e Alteridade: breves considerações sobre o tema*.

Conforme o tempo e a complexidade da organização social em que se insere o olhar, teremos uma visão distinta do indivíduo que a compõe. O contexto da modernidade trouxe a baila um elemento integrador, o indivíduo centrado de Locke, a busca de uma identidade universal, integradora das diferenças. Esta integração acarretou, por outro lado, certa invisibilidade à alteridade que ficou relegada ao segundo plano dentro da igualdade formal do Estado Moderno.
Quanto mais conservadora a sociedade, mais rígidos e definidos são os marcos identitários dando azo a uma sensação de maior segurança, uma idéia de lugar ou pertencimento ao indivíduo que a compõem. Essa rigidez hegemônica impede que se observe e, muitas vezes, não admite a alteridade (embora ela exista de fato).
A modernidade está marcada pela busca constante de marcos de identidade. Como na obra de Elias, os estabelecidos discriminam os outsiders, criando marcos de identificação pejorativos, que, em virtude da repetição, acabam por se inserir naqueles, através dos estigmas que se naturalizam (se posso utilizar a expressão de Bordieu). A cada um é atribuído um lugar dentro da “ordem” que se estabelece: você é aquilo que representa ser. Entretanto, neste cenário, a alteridade caminha lado a lado com a identidade universal do homem moderno.
Toda sociedade busca marcadores teóricos para se organizar (raça, credo, sexo, cor, etc.), os quais vão estruturar sua identidade em dado momento histórico. Mas o que é identidade? Existem múltiplas identidades? O termo identidade tem sido alvo de discussões na seara da ciência social contemporânea. Isto se deve ao fato de que a pós-modernidade acarretou um deslocamento do sujeito dentro dos papéis sociais que representa. Já não se pode mais analisar seguramente um indivíduo pela sua representação. Um mesmo indivíduo pode representar múltiplas identidades (como por ex., mulher, mãe, professora, estudante, branca, espírita, separada e por ai vai). Este sujeito agora representa vários papéis em uma peça onde nem sempre o acúmulo destes representa ascensão a um lugar preferencial.
Para Hall, convergir a história da identidade a um período onde a mesma estava centrada no sujeito, para um posterior onde ocorre a sua descentralização é algo bastante simplista, pois não permite observar as conotações históricas e os movimentos sociais que precedem esta passagem. Porém, para cunho didático, é interessante observar que os marcos teóricos nos permitem referir três fases na constituição da identidade: a) a focada no sujeito fruto do Iluminismo; b) reforçando a concepção sociológica em Durkheim e; c) pós-moderna, onde o indivíduo possui multiplas-indentidades, muitas delas conflitivas. Bauman, em sua obra Identidade narra sua própria experiência quando teve de escolher o hino para receber seu Phd: o que seria ele, Polonês ou Inglês? Encontrou uma resposta satisfatória para definir sua identidade: nem um nem outro, ele é Europeu (identidade que abarca as duas sobre as quais pairava sua crise).
Em razão da complexidade pós-moderna, do grande número de identidades que eclodem no cenário das políticas mundiais em decorrência da queda do conceito de classe como marco teórico referencial para representar os interesses dos indivíduos, os lugares e as representações sofrem constantes abalos que levam a uma insegurança generalizada. O homem moderno é livre, independente da cor, da preferência sexual, da classe social, bem como é igual segundo a lei. Novos marcos teóricos acabam surgindo. Como Bauman, nos perguntamos constantemente: a que grupo pertenço, qual minha identidade? Os discursos identitários tem um viés positivo em Hall, pois possibilitam a mobilização política dos indivíduos antes não contemplados com o espaço público. Porém, nos levam a fragmentação da idéia de uma identidade universal, como nos alerta Bauman. Para um é um avanço, para outro, um retrocesso, mas para ambos, um processo que não pode ser ignorado.
Diante da ausência da rigidez dos marcos teóricos, buscamos revitalizar características, manipulando-as politicamente, de forma a restabelecer e referendar o lugar dos “estabelecidos”. Uma das formas encontradas para tanto é o preconceito, como bem mencionam a Prado e Machado, em sua obra Preconceito contra homosexualidades: a hierarquia da invisibilidade. O preconceito social é uma forma importante de hierarquização dos lugares socais. Os estigmas e os marcos teóricos revitalizados unem e separam a sociedade estabelecida, e como bem lembra Elias, isso não se dá só em razão da cor, crença ou capacidade econômica.

Essa demarcação de lugar pode surgir em razão da antiguidade, da beleza, da feiúra, da moda ou de outros marcos que a sociedade resolva eleger para discriminar a alteridade. Que o digam as mulheres e seus corpos descritos por Novaes, a ditadura da dieta, do corpo perfeito, das academias, e salas de cirurgia. Todos querem ser aceitos, pertencer, ser estabelecido ou outsider é uma questão contemporânea. Discursos de identidade mobilizam e ao mesmo tempo desmobilizam a sociedade, podem ser usados para o avanço social e construção de políticas públicas emancipadoras como para catástrofes onde a negação da alteridade é pano de fundo de disputas de poder.
O abuso do direito e do sistema racional legal na da Segunda Guerra Mundial, com seus campos de concentração demonstram o exagero que pode ocasionar o discurso de identidade levado até as últimas conseqüências. O holocausto até hoje é negado por uns e relembrado por outros de forma a construir discursos de identidade. Arendt, em sua obra, Heichmann em Jerusalém nos lembra a figura de um burocrata Nazista desprovido de capacidade de análise dos atos que cometeu. Incapaz de analisar suas decisões e atrocidades por estar amparado em um discurso jurídico e indentitário. Mas também nos faz ver que a título de um direito universal (um direito humano, resultado da idéia de identidade universal), os direitos daquele indivíduo foram desconsiderados em prol da aplicação de justiça. Já Goldhagen, em sua obra, nos demonstra que, mesmo dentro da realidade nazista, poderíamos ter tido uma espécie de resistência, de desobediência civil. Ressalta, assim, que a sociedade alemã aceitou o genocídio, ou, pelo menos, decidiu ignorá-lo.
À bem da verdade, a própria identidade, seja ela universal ou múltipla é uma construção teórica de um determinado grupo social e de uma determinada ordem estabelecida em um tempo histórico. Como construção teórica acaba por refletir a sociedade de seu tempo. A utilização destes conceitos e discursos teóricos pode variar em razão dos interesses do poder que o proclame. Nesse sentido, a busca de uma identidade universal tem uma finalidade integradora de valores que são globalizados por uma determinada elite em detrimento das alteridades locais. Desconsiderar a alteridade, dentro da realidade social é um engodo que não se pode sustentar indefinidamente. Também não se pode sustentar falsas roupagens como se identidades fossem, como é o caso do Oriente inventado pelo Ocidente de que nos fala Said. A identidade é um dado teórico que já não consegue resolver a todos os conflitos do nosso tempo, exatamente por isso está em crise enquanto marco conceitual. Como bem refere Hall, não fosse a crise atribuída aos lugares que ocupam os sujeitos, a insegurança que gera a ausência de paradigmas sólidos e a realidade das alteridades que se impõem no cenário pós-moderno, não estaríamos discutindo hoje sobre identidade.

* Wollmann. Andréa Madalena. Mestranda em Política Social pela UFF. Texto elaborado a partir da resposta a primeira avaliação da disciplina Sujeitos Sociais e Proteção Social, ministrada pelo professor João Bôsco Hora Góis no Mestrado em Política Social, da Escola de Serviço Social da UFF.