domingo, 26 de julho de 2009
Terceiro Ensaio
Qual o local da diferença no debate sobre solidariedade?*
Em moda na atualidade, o discurso da solidariedade nos faz refletir a possibilidade da construção de um espaço onde seja possível uma aliança entre as diferenças. Qual o local da diferença no debate sobre solidariedade? O que é a solidariedade, uma possibilidade de projeto, uma utopia, um referencial teórico?
Vislumbramos a solidariedade em Richard Rorty como um “slogam”, uma possibilidade de análise ou discurso para nos fazer repensar as relações sociais, os outros e a nós mesmos. Um instrumento para possibilitar o reconhecimento da existência da diferença e a possibilidade de conciliação entre os sujeitos. Em seu texto sobre Rorty, o professor João Bôsco Hora Góis nos demonstra esta necessidade de construção de um espaço de alteridade social, onde a solidariedade possa ser vista como instrumento capaz de fazer refletir e rever os espaços sociais destinados as diferenças Há muito trabalhamos a diferença com certo receio. Codificamos as condutas, as pessoas, os usos, para facilitar uma sensação de segurança capaz de traduzir uma possibilidade de previsibilidade de comportamento do outro, este ser que nos é desconhecido. Concentramos a perspectiva no indivíduo e utilizamos esta medida como referencial, desconsiderando as diferenças, discriminando-a. Elias nos refere bem este comportamento na obra os Estabelecidos e os Outsiders. O discurso individual, no entanto, não nos permite a possibilidade de construção de uma análise de percepção da alteridade.
Diante das mudanças estruturais e dos processos históricos, de tempos em tempos, revitalizamos estigmas antigos, redefinimos os marcadores das diferenças e mantemos a mesma postura de receio com aquelas identidades que aprendemos a observar e a isolar quer dentro de viés econômico, social, cultural ou mesmo preconceituoso.
Isso nos impede qualquer tentativa de estabelecimento de laços de solidariedade.
A alocução da solidariedade deverá ser observada como instrumento capaz de nos fazer ampliar a percepção do outro. O reconhecimento e a aproximação daquele outro que está ao nosso lado, como também, daquele outro que está do outro lado do rio, e daquele que está ainda mais além. Uma possibilidade de busca de um novo modelo comportamental e político. Não mais a construção de uma Pátria, eis que a figura do pai autoritário, provedor e punitivo não resolve mais os problemas sociais que enfrentamos; nem de uma Mátria, eis que ainda estaríamos diante de um discurso de autoridade da mãe entre estabelecidos e estranhos. Uma possibilidade de uma construção de uma alternativa, uma Fátria, como menciona Maria Rita kell, ou comunidade entre irmãos.
O lugar da identidade na solidariedade está exatamente na possibilidade, através dessa ferramenta de análise, do reconhecimento da alteridade humana. A busca de uma nova utopia, a da concretização de uma irmandade humana ou de uma humana irmandade, onde o conhecimento do eu, do indivíduo, seja um dado construído através da percepção da existência do outro. O reconhecimento da dependência recíproca de todos os seres.
Para haver solidariedade, é necessária a construção de laços de confiança, o que só é possível a partir de uma ótica disposta a aceitar a alteridade, a diferença, o outro. O outro como elemento de reconhecimento do eu. Um pacto não mais entre indivíduos, mas entre alteridades com a finalidade de uma sociedade mais justa, democrática, solidária e participativa. Não mais discutir o que é interessante ao indivíduo na esfera pública, mas quais as demandas comuns entre as alteridades devem ser atendidas na busca de um lócus de solidariedade. Um compromisso humano na gestão de um bem comum onde as diferenças sejam respeitadas e incluídas no processo político.
* Wollmann, Andréa Madalena. Texto elaborado a partir da segunda avaliação da disciplina Sujeitos sociais e proteção social, sob a orientação do professor João Bôsco Hora Góis, no Mestrado em Política Social da Faculdade de Serviço Social da UFF.
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