sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Tendência de um Tribunal pode também ser inconstitucional..

Resolvi colocar o teclado para funcionar hoje após ler uma matéria veiculada no facebook que mencionava a posição de grande parte do Tribunal da Justiça do Rio de Janeiro acerca de negarem o direito a penas alternativas para o tráfico de drogas. A manchete era a seguinte: Substituição de pena: TJRJ tende a afastar a pena alternativa ao tráfico. Eis o motivo pelo qual não me resignei e decidi registrar meu protesto nas vias virtuais.
Fazem duas semanas que, incessantemente, venho discutindo em sala de aula com meus alunos os princípios e fundamentos constitucionais onde devem beber as demais normas do nosso ordenamento jurídico. Discutimos Kelsen, a supremacia constitucional, a importância dos princípios como informadores da vontade do legislador constituinte originário quando elaborou o projeto do vir a ser do Estado democrático de direito. Falamos acerca da hermenêutica jurídica, da necessidade do interprete, seja ele quem for, de beber nas fontes constitucionais o elixir da legitimidade de seus atos, contratos, decisões, leis, etc. Cada princípio, a começar com o da legalidade, igualdade, reserva legal, anterioridade da lei penal, proporcionalidade e razoabilidade, devido processo legal, individualização da pena, nulla poena sine culpa e tantos outros, em uma verdadeira luta quase que cabalística, de uma professora Dom Quixote contra os Moinhos de vento do senso comum, do "eu acho", do "não quero que seja assim"...
Alunos do curso de direito, muitas vezes, são comparados por nós professores à Desembargadores. Não porquê um Desembargador não tenha conhecimento, mas porque, geralmente, à eles se atribui toda uma gama de conhecimento, sobre a qual, não se cabe mais acrescer ou discutir. Eis o senso comum da sociedade acerca do Judiciário. Eis a brincadeira que se faz com o estudante, afim de que ele perceba que deve manter a humildade e galgar a montanha do conhecimento, passo à passo, respeitando os direcionamentos do professor e, se posicionando com base não no " eu acho" mas, pautado no conhecimento enraizado na pesquisa, na leitura da doutrina, da jurisprudência e tudo mais... até chegar a Desembargador, ou assumir um posto douto na seara jurídica.
Mas esse discurso cai por terra quando percebemos que ainda existem no Judiciário, de fato, muitas decisões galgadas em posições de "eu acho", "eu penso", "eu sou Deus, sem dúvida!".
Em um momento histórico onde se consolida a ideia de soberania constitucional, decidir-se contra direitos consagrados nos princípios e garantias constitucionais é uma involução e não um avanço! De fato, como bem ensino aos doutos colegas, alunos de minhas modestas aulas de penal, mesmo a IBP (interpretação da besta da professora) deve se ater aos valores adotados pela constituição sob pena de inconstitucionalidade. Logo, em uma ordem constitucional, já referia o MM. Juiz Marshal no caso Marbori versus Madison, não pode haver Lei ou mesmo contrato que seja maior que a Constituição (e acrescento eu, modestamente, nem sentença, nem acórdão)!
Nos crimes relacionados ao tráfico de drogas, temos uma lei que fere claramente vários princípios constitucionais. Como muito bem defende Karan, várias condutas, de menor e de maior potencial ofensivo, estão abarcadas de forma não razoável, dentro do tipo "tráfico de drogas" ( o aviãozinho, o traficante armado, aquele que armazena a droga, quem tem toneladas da droga e quem tem algumas gramas, quem a embala, produz, transporta, o trabalhador do tráfico, etc, etc..). Lembro muito bem do traficante que deu azo ao filme Meu Nome não é Johny, que, apesar de movimentar milhões em tráfico internacional, nunca tocou em uma arma. Associar todas essas condutas a uma pseudo violência é desconhecer a realidade do problema das drogas e, através de uma generalização inconstitucional, punir desarrazoadamente, desproporcionalmente, sem considerar a implicação de cada indivíduo, seu alcance e mesmo a culpabilidade, no crime que se pretende punir. Nesse sentido o STF já se pronunciou. Equiparar analogicamente a questão das drogas como crime hediondo e retirar a todo e qualquer "traficante" o direito de penas alternativas, é um desconhecimento, ou mesmo uma postura de descomprometimento com a resolução do problema e com a efetivação das garantias constitucionais e mesmo, do Estado democrático de Direito! Assim como nossos atos, o contrato, a sentença ou mesmo a tendência de um Tribunal devem se ater à moldura constitucional, sob pena de inconstitucionalidade!
Em suma, é dever do juiz (e direito do acusado), que ao  observar o caso concreto, seja analisada a culpabilidade do sujeito, o nexo causal e as circunstâncias do delito, descritas no art. 59 do CP, fazendo a individualização da pena, dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme determina a Constituição Federal. Do contrário, podemos queimar os livros de Penal e a Constituição em praça pública, fechar os cursos de direito e empossar no cargo de Desembargador os meus alunos  de direito do primeiro semestre.

Andréa Madalena Wollmann
Professora de Direito Penal na AJES, Advogada, Ms. Política Social.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Qualquer crime cometido por PM de serviço é crime militar?

Encontrei um texto muito elucidativo as perguntas de meus alunos de Penal III que agora estão no Penal IV. Patrícia, ai vai um especialmente para você que buscava saber.


" A resposta a essa pergunta tem ocorrido, muitas vezes, de maneira equivocada, isto quando se afirma que "o policial militar de serviço só comete crime militar", devendo, então, ser processado e julgado pela Justiça Militar. No entanto, como será visto adiante, nem sempre os delitos cometidos por PM em serviço consistirão delito militar, podendo, sim, caracterizarem crime comum ou crime militar, de acordo com determinadas condições, as quais serão analisadas a seguir. Caso seja delito comum, o policial militar será processado e julgado pela Justiça comum. De outro lado, se delito militar, a competência será da Justiça Militar estadual.

Inicialmente, cumpre deixar claro que os policiais militares e os bombeiros militares, conforme disposto no art. 42 da Constituição Federal, mais especificamente a partir da Emenda Constitucional nº. 18/98, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Logo, como militares que são, estão sujeitos ao Código Penal Militar (CPM) e podem cometer, nessa qualidade, os crimes militares ali previstos.

Superada a questão acerca da condição de militar do policial militar para fins de aplicação do CPM, enfrentemos a situação do cometimento de delito por esse militar estadual na execução de patrulhamento ostensivo. A primeira hipótese é aquela prevista no inciso I do art. 9º do Código Penal Militar, segundo o qual são considerados crimes militares, em tempo de paz, os delitos de que trata esse Código, quando definidos de maneira diversa na lei penal comum, ou quando nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial. Nessas infrações, independentemente de o policial militar estar ou não de serviço, se nelas incorrer, cometerá crime militar. Ressalte-se que em alguns desses delitos (do inciso I do art. 9º do CPM) será imprescindível que o militar esteja efetivamente de serviço, como é o caso do crime militar de dormir em serviço (CPM, art. 203) e do abandono de posto (CPM, art.195). Assim, nessas situações especificadas no inciso I do art. 9º do CPM, bastará que o policial militar incorra na conduta descrita na Parte Especial do CPM para que fique caracterizado o delito militar, estando ou não de serviço, com a ressalva daquelas infrações que reclamam o efetivo serviço em sua descrição típica (CPM, art. 203, por exemplo).

Por sua vez, a alínea c do inciso II do art. 9º do CPM expressa que, entre outras situações ali estabelecidas, são considerados crimes militares, em tempo de paz, os delitos previstos nesse Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados por militar em serviço, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar. Justamente na interpretação desse dispositivo é que surgem alguns equívocos, pois não basta que o militar esteja em serviço, mas que haja previsão da conduta como infração penal na Parte Especial do Código Penal Militar. Logo, conforme se infere da redação do dispositivo supramencionado, o delito cometido pelo policial militar, quando da execução de policiamento ostensivo, para que seja caracterizado como crime militar, além de constar na legislação penal comum, deverá ter previsão na Parte Especial do CPM.

Dessa maneira, caso o delito cometido pelo policial militar, ainda que durante a realização de patrulhamento ostensivo, não tenha previsão na legislação penal militar, não haverá ocorrência de crime militar, mas tão somente de crime comum, devendo o militar ser processado e julgado perante a Justiça comum. São exemplos dessas infrações penais comuns sem correspondência na legislação penal castrense, entre outros, os seguintes: crime de abuso de autoridade, crime de tortura, crime de porte ilegal de arma de fogo. Por conta do exposto é que a Súmula nº. 172 do STJ estabelece que "compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço".

Além disso, no caso de homicídio doloso contra a vida de civil cometido por policial militar em execução de policiamento ostensivo, apesar da previsão do delito de homicídio no Código Penal Militar (art. 205), a Justiça Militar estadual não será a competente para processo e julgamento daquela infração. Nessa situação, a competência será da Justiça comum estadual, mais especificamente do Tribunal do Júri. Isto porque a Emenda Constitucional nº. 45/2004 alterou a redação do § 4º do art. 125 da Constituição da República, o qual agora prevê essa nova competência. Anteriormente, a Lei nº. 9.299/96 já havia incluído um parágrafo único no art. 9º do CPM, dispondo que "os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum".

Em suma, não basta que o policial militar esteja de serviço para que todo delito por ele cometido seja necessariamente crime militar. Como examinado, o policial militar, mesmo de serviço, poderá praticar crime comum, bastando que a conduta praticada não esteja prevista na legislação penal militar. Nessa hipótese, a competência para processo e julgamento caberá à Justiça comum. Por seu turno, se o PM em serviço de policiamento ostensivo, em um mesmo contexto fático, cometer dois delitos, um previsto no CPM e outro sem essa previsão, deverá haver obrigatoriamente a separação dos processos, cabendo o primeiro à Justiça Militar e o segundo à Justiça comum, conforme teor da Súmula nº. 90 do STJ.

André Abreu de Oliveira - Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Instituto Jurídico Juspodivm; Pós-graduando em Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito pela Faculdade 2 de Julho; Professor de Direito Penal e Direito Penal Militar

Jus

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social
Portal Nacional dos Delegados" 


terça-feira, 26 de julho de 2011

Evento em Outubro!

Fico imensamente feliz em informar que estarei presente no evento de 20 anos do Movimento do Direito Alternativo, na Cesusc, em Florianópolis em outubro (de 26 a 29 de outubro). Vinte Anos de Direito Alternativo
O tempo será curto para tantas informações e tantos encontros e reencontros.

Hoje, estou particularmente feliz pois recebi confirmação para meu painel da fala de Salo de Carvalho, a quem admiro o trabalho a longo tempo e hoje, foi confirmado um painel com Maria Lúcia Karan. Os detalhes ainda estão sendo organizados, mas o aceite do convite e a possibilidade discutirmos acerca da política de drogas e a criminalização a pobreza em um evento histórico como esse, me deixaram muito feliz! Ainda aguardo o aceite do Alexandre... Mas tudo se encaminha bem.

Mas hoje me senti convidada a refletir sobre meus anos de academia... Talvez tenha sido a Aula Magna de ontem na Ajes e ver meus alunos recebendo suas carteirinhas de estagiário da OAB, ou mesmo, a alegria desse momento... necessito refletir.
Entrei na Universidade em 1995, lá se vão uns (alguns) anos... Minha turma colou grau em fevereiro de 2000 e bebia a fonte do direito alternativo. Nossa Justiça era sem vendas, com a balança vergada, comprometida com a Justiça social e com a proteção do hipossuficiente. Nos formamos com uma túnica preta, com detalhes em vermelho, que representava para nós a luta pelo direito e um chapeu de formando diferente das turmas anteriores, rompemso com os babados da beca e seus comprometimentos com o positivismo. Éramos a turma da virada do milênio, da diferença! Parecia ser fácil...

 De algum modo, o MDA faz parte da minha tragetória, de muitos de meus posicionamentos como advogada e como docente e, em sala de aula, dos discursos que meus alunos (e hoje, alguns já ex-alunos) ouviram de mim em meus nove anos de docência.
As percepções do Saber jurídico como forma de poder, de Horácio Wanderlei Rodrigues me acompanharam, o direito como espaço de lutas como me revelou Darcísio Corrêa e como uma casa aos poucos sendo apresentada conforme Michel Miaille me fizeram ver as rachaduras e os fundamentos dessa casa.  O tempo passa muito rápido! Infelizmente, os avanços demoram a se consolidar.

Nesta trajetória, tive meus olhos abertos e meus ideais construídos e reconstruídos com o auxílio de muitos dos pensadores que se encontrarão em Florianópolis e outros, que, infelizmente, nos acompanharão de algum lugar imaginário. Warat foi o início da minha percepção crítica do direito, mas para além disso, o reflexo de um professor que eu me esforço em tentar ser. Um amigo, que sinto imensa falta.

Não poderia eu, falar em Direito Alternativo sem lembrar Warat tentando descontruir meu castelo de ilusões e carnavalizar minhas percepções buscando o belo, a patafísica, o surreal, a arte, o outro, a sensibilidade.
Não se pode ser alternativo sem sensibilidade. Perceber-se parte integrante desse Matrix, incapaz de desligar a máquina de ar que nos sustenta, mas querendo e buscando a construção de dias melhores, eis como me vejo.
Outro gigante que deve nos acompanhar do mundo das idéias é Miguel Reale, e sua trilogia que nos força a perceber o papel político do hermeneuta jurídico e nos posicionarmos de forma consciente e, muitas vezes, incomoda aos adeptos da Justiça cega. E como esquecer de Roberto Lira Filho me descrevendo o que é o direito?
De minha formação, ainda recordo a percepção da Justiça bailarina de Roberto Aguiar, hora bailando ao lado dos poderosos, ora dos menos afortunados. A teorização de Amilton Bueno de Carvalho sobre para que(m) deve ser a lei, que, aliás, junto com Edmundo Arruda, e suas visões hermenêuticas, (de)formaram a minha orientação jurídica, como já tive oportunidade de lhes dizer, o que, aliás, nunca agradeci. Marcelo Neves e sua interpretação constitucional, Ferrajoli e seu garantismo...
Tantos e tantos outros contribuíram nesse interím. Cada professor comprometido, cada autor. Será muito bom revê-los!
Convido a todos a participarem desse evento e desse movimento de debate tão necessário nos nossos dias.

Mais informações http://www.cesusc.edu.br/

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Michel Foucault e um pouco de reflexão acerca do Direito Penal e do controle dos corpos pelo Estado

Esses vídeos são para os meus alunos de Penal!
Precisamos refletir acerca do porquê da pena de prisão dentro da sociedade atual. Um pouco das idéias de Michel Foucault para vocês.







quarta-feira, 18 de maio de 2011

Uma notícia que vai paralisar centenas de ações nos JECs do país.


STJ suspende processos em juizados especiais sobre aplicação da taxa de juros em caso de abusividade‏


Estão suspensos todos os processos em trâmite nos Juizados Especiais Cíveis do país em que se discute a aplicação da taxa média de mercado nos casos de constatação de abusividade na cobrança de juros pactuados entres as partes. A determinação é do ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma reclamação apresentada pelo Banco Bradesco contra uma decisão da Terceira Câmara Recursal do Mato Grosso, que teria fixado juros de forma distinta do permitido pela jurisprudência do Tribunal.


Na reclamação, o banco argumenta que há um entendimento consolidado no STJ que expressamente determina a aplicação da taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, tanto nos casos de inexistência de cláusula contratual contendo o percentual de juros remuneratórios quanto nos casos em que fica constatado abuso na taxa pactu ada entre as partes.


A Terceira Turma Recursal de Mato Grosso entendeu que, se houver abuso na cobrança dos juros pela administradora do cartão, mantém-se a sentença que reduziu o percentual de juros. Se a previsão é contratual, não heveria cobrança indevida, pois para caracterizá-la se deve verificar sua ilicitude, motivo pelo qual a restituição de eventual saldo remanescente deve ser feito na forma simples.


Nos autos de uma ação revisional de contrato, o juiz arbitrou os juros em 2% ao mês, com capitalização anual, e fixou juros moratórios em um 1% mensal, com capitalização anual a partir da citação, além de correção monetária pelo INPC a partir do desembolso.


O banco quer que a questão seja analisada pela Segu nda Seção e confrontada com entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.061.530. Como o STJ admite a reclamação para dirimir divergência entre acórdão de Turma Recursal Estadual e a jurisprudência da Corte, o processo passa a tramitar conforme o que determina a Resolução 12 /STJ.


Além de determinar a suspensão de todos os processos em trâmite nos juizados especiais civis nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, até o julgamento final da reclamação, o ministro Beneti determinou que sejam oficiados os presidentes de Tribunais de Justiça e os corregedores gerais de Justiça de casa estado e do Distrito Federal, para que comuniquem às turmas recursais.


Os interessados na instauração da reclamação têm o prazo de 30 dias para se manifestarem.


(fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ)


Assessoria de Imprensa OAB/MT
(65) 3613-0928
www.twitter.com/oabmt

domingo, 8 de maio de 2011

Mais uma pérola de Saramago... A Flor mais grande do mundo.

É encantador.




“E se as histórias para crianças fossem de leitura obrigatória para os adultos?

Seríamos realmente capazes de aprender aquilo que há tanto tempo ensinamos?”

José Saramago

sábado, 23 de abril de 2011

A propósito, um erro judiciário que estudamos essa semana em sala de aula, vale a pena ver o filme: O caso dos irmãos Naves.

















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Saiu na Isto É!!!


ISTOÉ Comportamento



EXCLUSIVO


N° Edição: 2163
20.Abr.11 - 18:00
Atualizado em 24.Abr.11 - 03:02



As bruxas de Guaratuba

Elas foram acusadas de matar um menino em um ritual. O caso, que teve o mais longo julgamento do País, pode sofrer uma reviravolta. ISTOÉ revela como as acusadas foram torturadas e as suspeitas de que não é da vítima o corpo encontrado

Antonio Carlos Prado


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Ao longo de muito tempo, uma senhora que mora em Curitiba sentia uma torturante angústia nos momentos de lavar o rosto. Não conseguia molhá-lo por inteiro, muito menos enxaguá-lo. Umedecia então sob a torneira a ponta do dedo indicador da mão direita, levava-o à face, ia repetindo esse movimento e molhando a fronte ponto por ponto. Ela se chama Beatriz Abagge, tem 47 anos e é filha de Celina e Aldo Abagge, ex-prefeito da cidade de Guaratuba, no litoral paranaense. Por que Beatriz agia assim? Antes de responder a essa questão, vale registrar outro fato envolvendo ela própria e, agora, também a sua mãe.

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“A janela basculante da minha cela era soldada. As guardas achavam que eu

era bruxa, me transformaria numa nuvem de fumaça e fugiria através da grade”

Beatriz Abagge, ré



As celas da penitenciária feminina de Piraquara , cidade que se localiza no Paraná, têm uma janela basculante à frente da janela principal, que é gradeada. Em todas as celas nas quais Celina e Beatriz ficaram trancafiadas nessa cadeia, entre 1992 e 1995, tal basculante era soldado – ou “chumbado”, como diz a filha –, impedindo-se assim o seu movimento de abrir e fechar. As guardas temiam que as duas mulheres, caso o basculante pudesse ser aberto, se transformassem repentinamente em “uma nuvem quase invisível de fumaça e fugissem através de algum quadrado da grade de ferro deixando para trás um sufocante cheiro de enxofre”. As guardas acreditavam que elas eram “bruxas”, assim como nessa versão se fiava a maioria da população de Guaratuba, de Curitiba, do Paraná e de todo o País. A mídia nacional e boa parte da imprensa internacional se referiam à mãe e à filha como “dotadas de poderes de bruxaria”. Elas passaram a ser “As Bruxas de Guaratuba”. ISTOÉ esteve com Beatriz e Celina, que se encontram em liberdade, registrou com exclusividade como vivem e resgatou a sua história que já conta 19 anos. É aqui que se vai começar a responder o que levou Beatriz a não conseguir lavar o rosto como todo mundo lava e, também, o que fez com que ela e sua mãe acabassem presas na cadeia com grades protegidas contra fuga de “bruxas”. Esses dois episódios se fundem em um terrificante cenário de rapto e assassinato de criança, suposta magia negra, bárbaras torturas, rivalidade entre policiais e inimizades pessoais e políticas. E muito terror.



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VÍTIMA

O garotinho Evandro, aos 6 anos, quando foi

raptado no caminho entre a escola e a sua casa



O novo e derradeiro júri



Está marcado para a quinta-feira 28, em Curitiba, o segundo júri popular a que Beatriz Abagge será submetida – ela é acusada de, com a cumplicidade de sua mãe, ter assassinado em 1992 o garotinho Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, um alegre menino loirinho que era conhecido e amado em toda Guaratuba. Pesa ainda contra Beatriz, segundo o processo, a acusação de o “crime ter sido praticado em um satânico ritual de magia negra”: Evandro teve o peito rasgado, retiraram-lhe o coração e as vísceras, amputaram-lhe mãos e pés, escalpelaram-no e vazaram seus olhos. No primeiro júri do “caso Evandro”, realizado em 1998, mãe e filha sentaram-se no banco dos réus e foram absolvidas – é o júri mais longo da história do Brasil com 34 dias de duração. Mais demorado que o de Gregório Fortunato, segurança do ex-presidente Getúlio Vargas, acusado do assassinato do major Rubens Vaz no atentado da rua Toneleros. Mais longo que o do coronel Ubiratam Guimarães, responsabilizado pelo “Massacre do Carandiru” em São Paulo – foram 111 mortos e seu julgamento levou dez dias. Também marcou para a história o júri de Beatriz e Celina o suicídio de um dos peritos, com um tiro na cabeça sobre o túmulo de seu pai, à véspera de ele depor. O Ministério Público recorreu da sentença de absolvição da filha e da mãe, e há cerca de um mês o STF decidiu por novo julgamento. A diferença é que, dessa vez, apenas Beatriz será julgada, já que Celina está com 72 anos e pela legislação brasileira a punibilidade cessa quando completada a sétima década de vida. “Fui absolvida e serei absolvida. Eu e minha mãe fomos falsamente acusadas”, diz Beatriz, estudante de direito em Curitiba – na semana passada fez provas de direito penal (“fui muitíssimo bem”), de direito processual penal (“fui muitíssimo mal”) e de direito civil (“fui bem demais, é fácil”). “Beatriz é uma aluna exemplar, aplicada e interessada”, diz o coordenador do curso, professor Álcio Figueiredo. Tanto ele como os alunos ficaram sabendo que a Beatriz Abagge estudante é a Beatriz Abagge que foi envolvida no caso Evandro com a chegada de ISTOÉ. “A minha reação e a de todos os alunos foi a mesma: respeito”, diz Figueiredo.

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“Sequestraram minha irmã pensando que ela era eu. Só descobriram o

erro quando outro acusado a chamou pelo nome de Beatriz e não de Sheila”

Sheila Abagge, psicóloga



Disputa política



Faz-se agora, aqui, uma viagem no tempo à pequena cidade litorânea de Guaratuba – 22 quilômetros de praias e um oceano de lendas e acontecimentos sombrios. Corria o ano de 1992, dia 6 de abril, e os moradores mais antigos se recordam que era “uma segunda-feira de garoa”. Caminhando sozinho pelos 100 metros que separavam – e ainda separam – a Escola Olga Silveira de sua casa, o garotinho Evandro desapareceu misteriosamente. Os seus pais, Maria e Ademir Caetano, mantinham a esperança de recuperá-lo com vida mas pressentiam o pior, até porque dois meses antes também desaparecera outro garoto, Leandro Bossi, nunca mais localizado. No sábado seguinte, 11 de abril, a polícia anunciou que o corpo de Evandro fora encontrado, sobrevoado por urubus e vilipendiado, em um matagal da cidade – próximo ao seu cadáver estava a chave de sua casa. Começou aí o martírio do luto da família. Começou paralelamente o calvário de Celina e Beatriz, respectivamente esposa e filha do prefeito Aldo Abagge, falecido em 1995 quando elas ainda estavam presas. “Sob forte escolta, porque nos julgavam perigosas assassinas, pudemos deixar a cadeia por algumas horas e visitamos o Aldo já muito doente no hospital. Falamos a ele que estávamos em liberdade para que morresse em paz”, diz Celina. A ex-primeira-dama, prima direta do cônsul da Síria no Paraná e em Santa Catarina, Abdo Dib Abage, cumpre atualmente a rotina de cuidar dos netos. Poderosa, tradicional e milionária que era, a família de origem síria e libanesa (tanto os que assinam seus nomes com dois ges quanto os que o fazem com um ge só) quebrou financeiramente e mora em uma casa cujo aluguel é pago por um genro de Celina que é desembargador. “Tudo que tínhamos foi gasto em honorários de advogados”, diz Beatriz, com a altivez dos que são acusados sem provas, empobrecem diante de tal vicissitude mas não abrem mão de seu “mais sólido patrimônio”: “A minha maior riqueza ninguém leva, a minha maior riqueza é a minha inocência e a inocência de minha mãe.”


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POLÍTICA

O ex-prefeito Aldo Abagge morreu em 1995

achando que a esposa e a filha estavam em liberdade



Anunciada a localização do corpo de Evandro, ou do suposto corpo como se verá mais adiante, a polícia civil começou a investigar e a enfrentar obstáculos – um deles é que durante dois meses os laudos do IML e da perícia não lhe foram fornecidos, embora estivessem concluídos. Vai entrar em cena, nesse momento e sem competência legal para cuidar do homicídio, o então grupo de elite da Polícia Militar do Paraná. Por meio de depoimentos de policiais e ex-policiais que atuaram no caso, dados com exclusividade à ISTOÉ, hoje se comprova que alguns integrantes desse grupo da PM agiram como agiam os seviciadores da ditadura, à época recém-encerrada no Brasil. “Houve tortura. Pessoas das quais os policiais militares suspeitavam foram sequestradas, levadas sem mandado de prisão e torturadas”, diz o delegado e diretor do Departamento de Crimes contra o Patrimônio, Luiz Carlos Oliveira, um dos homens mais prestigiados da polícia no Paraná. Ele fala com a autoridade de quem investigava o desaparecimento de Leandro e cruzou com as investigações sobre a morte de Evandro. “Beatriz e Celina foram seviciadas até dizerem que mataram Evandro. Outro acusado, o pai de santo Osvaldo Marcineiro, não tinha mais costas de tanto levar porrada. As costas dele ficaram negras. Era um hematoma só. Eu vi.”



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MEDO E DOR

Foto atual da sala que servia de gerência na serraria: nela,

Evandro teria sido morto em suposto ritual de magia negra



A engrenagem do horror que remete aos tempos dos porões do regime de exceção começou a funcionar, segundo diversos depoimentos, com a chegada de alguns PMs do grupo de elite. Mas como eles desembarcaram em Guaratuba? Por que Celina e Beatriz foram envolvidas? Sai-se agora momentaneamente do terreno policial e entra-se no campo político, mais especificamente no que se refere aos projetos do Conselho de Desenvolvimento do Litoral que tratava de estabelecer a “verticalização” (construção de prédios) na orla do Estado. O prefeito Aldo Abagge elaborara um plano de zoneamento que não vetava totalmente a “verticalização” nem a autorizava plenamente, ou seja, podia-se construir mas não nas regiões próximas às praias. Ele atraiu com isso pesadas rivalidades políticas, locais e estaduais, ao contrariar interesses financeiros daqueles que sonhavam em transformar Guaratuba em um canteiro de obras de altas edificações, como aconteceu com a vizinha Caiobá. Sem receber verbas do governo, Aldo se viu obrigado a majorar impostos e valores de contas para tratar o esgoto do município. Mais animosidades surgiram, algumas de ordem pessoal – politicamente o prefeito se tornou vulnerável por todos os ângulos. Recorreu ao seu protetor, o deputado Aníbal Curi, presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, mas ele nada conseguiu junto ao Poder Executivo estadual.

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DITADURA

Casa na cidade de Guaratuba do ex-ditador do Paraguai

Alfredo Stroessner: base de sevícia da polícia



Sequestro e tortura



Olhando-se novamente para o campo das investigações, ao Ministério Público foi então entregue uma relação de suspeitos com nomes de pais de santo e os de Celina Abagge e de sua outra filha, a psicóloga Sheila Abagge. A família era proprietária em Guaratuba de uma tradicional serraria (50 funcionários), hoje desativada e abandonada – em seus áureos tempos fornecia madeira para a fábrica de lápis Johann Faber. No dia 2 de julho de 1992, três meses após o desaparecimento de Evandro, os policiais do grupo de elite invadiram pela manhã a residência da família que ficava em frente à prefeitura sob a acusação de que Celina e Sheila teriam sequestrado Evandro e o matado na serraria – oferecendo seu sangue, coração e vísceras a Exu, uma das entidades da umbanda, cuja imagem se localizava à esquerda da porta principal da empresa. Quanto à residência, ela já não existe, foi demolida e apenas conservaram-se, numa altura mínima, parte dos muros originais, assim como preservaram-se os umbrais. No terreno funciona o estacionamento do supermercado Brasão.


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CEMITÉRIO

No túmulo (abaixo) de Evandro há fotos e brinquedos –

e muitas dúvidas se o seu corpo de fato está nele sepultado



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Os policiais prenderam e transportaram em carros “chapas frias” Celina e Beatriz, achando que Beatriz era Sheila. Enquanto isso, Osvaldo Marcineiro e mais dois suspeitos já amargavam torturas na casa de veraneio em Guaratuba do ex-ditador do Paraguai Alfredo Stroessner, localizada e fotografada por ISTOÉ. Tanto em Curitiba quanto em Guaratuba, a questão de ter havido tortura é ponto pacífico. “O Ministério Público quer condenar a ré para jogar uma cortina de fumaça nas atrocidades cometidas”, diz o advogado Adel El Tasse. Beatriz foi violada sexualmente por cinco torturadores, tomou choques elétricos e padeceu de sessões de “afogamento” numa chácara – eis a explicação do motivo pelo qual ela não conseguiria durante anos lavar o rosto normalmente. “Desmaiei não sei quantas vezes durante a tortura, sangrei, urinei, evacuei. Foi estupro, choque e afogamento”, diz ela. E os torturadores só souberam que Beatriz era Beatriz, e não Sheila, quando levaram um ensanguentado Osvaldo Marcineiro à sua presença e ele a chamou pelo nome. Na mesma chácara, em outro quarto, Celina também era seviciada. Quando Beatriz não suportou mais o suplício, foi carregada para diante da mãe e implorou: “Diga tudo o que eles quiserem porque eu não aguento mais choque, não aguento mais estupros e afogamentos.” “Ela me suplicou para que eu falasse em um gravador tudo aquilo que os torturadores me ditavam”, diz Celina. Em fita cassete que compõe o processo, ouvem-se vozes ao fundo e há o constante ruído de ligar e desligar o aparelho. Mais: as respostas de Celina demonstram que alguém corrigia o que ela falava: “Com o que você matou?”, pergunta o torturador. “Com uma paulada”, responde Celina – e o gravador é desligado. Ligado novamente, ela corrige: “Com uma faca.” Desliga. Liga. Ela diz: “Não, com uma serra.” Ruído, e vem a complementação: “Serra da serraria.” “Uma investigação que começa errada só pode terminar errada”, diz o ex-policial e advogado João Ricardo Keppes de Noronha, que à época mandou apurar o que ocorrera. Dos “porões” da repressão em Guaratuba elas foram transportadas para diversos postos da Polícia Militar e finalmente à penitenciária de Piraquara – aquela onde soldavam o basculante para as “bruxas” não fugirem. Ao desembarcarem nela, cada uma das mulheres ficou trancafiada um mês em “solitárias”, nuas, sem direito a banho, sem um segundo de sol e privadas de alimentação adequada. Beatriz já começava a gargalhar sozinha a gargalhada das loucas, quando uma aranha a devolveu à sanidade. Olhando-a tecer sua teia em um canto da encardida e inóspita “solitária”, Beatriz lembrou-se de uma música de criança e voltaram-lhe as lembranças, memória e lucidez. Beatriz sabe a letra de cor: “A dona aranha subiu pela parede/veio a chuva forte e a derrubou/já passou a chuva e o sol já vem surgindo/e a dona aranha continua a subir.” Nessa cadeia Celina fazia doces a pedido da direção e numa dessas ocasiões foi escoltada a uma dependência para prepará-los. Passou por um local de onde se via bom pedaço de céu. Era noite. Noite bonita. Ela se maravilhou: “Olha a lua!” As guardas se jogaram imediatamente ao chão aos gritos de “cuidado com a bruxa!”, “a lua interfere na bruxa!”. Celina ficou atônita, as guardas se levantaram e a levaram correndo de volta à cela. Com janela “chumbada”, é claro.



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“Eu era e sou vizinho da família do menino morto

O crime paralisou por meses toda Guaratuba”

Wilson Henttralt, garçom



“O corpo sepultado não é de Evandro”



A tortura será um dos pontos centrais do novo júri. Acusado por diversos órgãos de comunicação e também pelas rés de ser o comandante da sevícia, o coronel da reserva Valdir Copetti Neves rompeu o seu silêncio de 19 anos e falou com exclusividade à ISTOÉ na praça de alimentação de um shopping em Curitiba. Como quem manda um recado de que cansou de ser solitariamente o vilão da história, ele declarou: “Por que perguntar de tortura e circunstâncias de prisão somente para mim? Por que não se pergunta também ao Ministério Público e à Polícia Federal que estavam na investigação?” Nas últimas duas décadas, o coronel nunca se deixou fotografar (há apenas uma imagem antiga dele na internet). Dessa vez, ainda como quem manda um recado, até fez pose para as fotos. Há, no entanto, mais “dinamite” pronta a explodir no caso das “bruxas”. ISTOÉ teve acesso a documentos da época do desaparecimento de Evandro e a depoimentos de autoridades de Curitiba e de pessoas do povo de Guaratuba que dão conta de que o corpo que está sepultado, no terceiro túmulo para quem pisa o Cemitério Central através de sua porta principal, muito provavelmente não é o de Evandro Caetano. O Ministério Público admite que não tem fato novo para esse segundo julgamento e acabou alimentando a tese de que Evandro não está ali enterrado: em 19 anos, por 18 vezes se pronunciou contrário à exumação, atitude que não tomaria se tivesse certeza de que se trata dos restos mortais do menino.


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CERTEZA

O delegado Oliveira desafia: podem

exumar o corpo, ele não é de Evandro



O túmulo é uma capela de tijolinhos com gavetas à sua esquerda. “Em qual delas está o Evandro?”, pergunta-se ao zelador do cemitério, Luiz Ferreira. De óculos escuros, fumando e negando-se terminantemente a ser fotografado, ele dispara: “Em qual gaveta? Se é que ele está aí. Quem disse que ele está aí?” O garçom Wilson Henttralt, 56 anos, que vive em Guaratuba e desde criança é vizinho da família de Evandro, também levanta dúvidas em relação ao fato de ser mesmo dele o corpo que a polícia atestou que era. “Esse crime paralisou a cidade e ainda hoje só se fala sobre ele. Houve muita confusão, acho que ninguém sabe ao certo se o corpo encontrado é o do garotinho”, diz Henttralt. “Certeza absoluta de que não é o corpo” quem tem é o delegado Oliveira: “Não é o cadáver de Evandro. Durante as investigações eu disse: pago do meu bolso as despesas de exumação. Ninguém quis me ouvir.” Três exames de DNA foram feitos na época e dois deram “inconclusivos”. O terceiro teste, com um dente de leite que a mãe de Evandro guardara em sua casa bem antes do desaparecimento do filho, constatou apenas o óbvio: que se tratava de um dente do menino. Até aí, nada. Não se estabeleceu nenhum vínculo entre esse dente de leite e o corpo. ISTOÉ revela o depoimento prestado à Justiça pelo professor de criminalística e perito criminal Arthur Conrado Drischel, que examinou local e cadáver: “O corpo não condizia com uma criança de 6 anos de idade, que no caso também não poderia condizer com a vítima Evandro Ramos que tinha 6 anos de idade (...) e todos os outros dados também não condiziam com a descrição de Evandro.” Mais: os peritos deixaram registrado o “desconhecimento da identidade da vítima”.




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“Por que apenas eu? Por que não perguntam sobre as prisões e tortura

para o Ministério Público e a Polícia Federal, que também investigavam?”

Coronel Neves



O delegado que ficou contra a pena de morte



Beatriz Abagge, que em breve deverá viver o derradeiro capítulo dessa história que cruzou o trágico destino de Evandro com o trágico destino de sua própria vida, foi execrada e apedrejada em praça pública, numa onda que se formou na qual as pessoas agiam dentro do conceito criado pela filósofa e cientista política Hannah Arendt em “Origens do Totalitarismo”, a partir de uma de sua reportagens para a revista americana “New Yorker”: “a solidão organizada das massas populares”. Beatriz ficou encarcerada com sua mãe por três anos e meio em Piraquara e por mais três anos em prisão domiciliar em Curitiba até o julgamento que a absolveu em 1998. Em liberdade, seu primeiro passeio com a mãe foi no Jardim Botânico, caminhada que refez com ISTOÉ. “Assim que entrei em casa, ainda em prisão domiciliar, detonei o cartão de crédito de meu irmão comprando uma porção de coisas pela televisão. Era o que eu queria fazer. Assim que conquistamos a nossa libertação, no primeiro júri, fomos passear no Jardim Botânico. Era isso também o que queríamos fazer”, diz ela. Medo de encarar novamente sete jurados? “Não tenho medo de mais nada, com certeza o pior na minha vida já veio, que foi a tortura. Nada do que virá poderá ser pior. Os tempos são outros, o estado democrático de direito está consolidado, o mundo dá voltas, as pessoas mudam.” Das voltas que o mundo dá, Beatriz é, na verdade, testemunha em carne e osso: hoje ela trabalha no próprio Poder Judiciário de Curitiba atuando no apoio e acompanhamento às medidas alternativas do Juizado Especial Criminal. Vai a Guaratuba sem medo, assim como foi no Carnaval de 1999, no ano seguinte à absolvição: aí reatou com seu namorado de antes da prisão, casou-se e com ele tem uma filha de dez anos (tem também um casal de gêmeos que adotara antes de ser presa e que já é maior de idade). Separou-se do marido, namorou um advogado 13 anos mais novo, estranhou a diferença de idade e prefere nesse momento ficar sozinha. Medo da solidão? “Não.” Me­do de nada? “Olha, tenho medo de engordar. Estou com 52 quilos para uma altura de 1,55 m. Mas de­voro chocolate e não vou fazer regime; chega a fome que passei na cadeia.” Quanto à outra parte da fala de Beatriz, a de que “as pessoas mudam”, aqui vão três exemplos.



O primeiro: Humberto Simões, morador de Guaratuba, é viúvo de Albertina Michelatti, que trabalhou na casa de Celina Abagge. Assim que o crime foi divulgado, Humberto e Albertina brigaram em casa e em público: ele acusava a mãe e a filha, ela as defendia. “Com o tempo fui vendo que houve muita trapalhada, mudei de opinião”, diz Humberto. O segundo exemplo trata de mudança na mão inversa: “Distanciando-me dos fatos, nesse instante eu as acho culpadas”, diz uma moradora que está há oito anos na cidade e não quis ser identificada. Finalmente, o terceiro exemplo envolve o delegado Oliveira, que era intransigente defensor da pena de morte. “Quando soube do crime pela televisão, eu gritei: pena de morte para essas duas ‘bruxas’. Pois bem, houve tanto erro da polícia nesse caso que hoje eu sou contra a pena de morte para qualquer ser humano.” Antes de partir de Guaratuba, na quarta-feira 6, justamente a data em que se completaram 19 anos do triste desaparecimento de Evandro, ISTOÉ foi à casa de sua família, a mesma em que ele morou. Seu pai, Ademir, nem chegou até o portão. O máximo que fez foi pôr o rosto na janela e, aos berros para que sua voz prevalecesse sobre os latidos do cachorro, limitou-se a dizer: “Não vou falar nada. Vai embora. Não tenho nada a dizer.”



O APOCALIPSE EM GUARATUBA


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Até 11 de abril de 1992, o sábado em que o corpo – ou o suposto corpo – de Evandro foi localizado em um matagal de Guaratuba, o assunto que sobrevivia na cidade entre os mais velhos que vivenciaram o fato e entre os mais jovens que dele ouviram falar dava conta de um acidente natural que na noite de 22 de setembro de 1968 colocou todos em desespero e em preces: uma parte do município foi “engolida pelas águas” e submergiu na baía de Guaratuba. Desesperadas, as pessoas buscavam abrigo na Igreja Matriz Nossa Senhora do Bom Sucesso, construída por escravos e inaugurada em 1771. Até hoje a igreja está lá, intacta com suas paredes de um metro de largura, que, segundo a lenda, guardam milhares de moedas de ouro. Pois bem, na “noite em que acreditamos que seria o apocalipse”, como diz a evangélica Maria das Graças, 73 anos, os moradores queriam se abrigar na igreja porque acreditavam que “estariam livres de seus pecados naquele juízo final”. A história tornou-se durante décadas a pesada recordação. Outra viria a ocupar seu lugar, no entanto, 24 anos depois – e até os dias atuais é a que mais resiste ao desgaste do tempo: o caso das “Bruxas de Guaratuba”.



Colaborou Monique de Oliveira



Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/133790_AS+BRUXAS+DE+GUARATUBA

Vale a pena consultar a página e ver as fotos.
O mais importante dessa reportagem é desconstituir a idéia de que não existe mais tortura o Brasil e de que um senso comum esteriotipado, preconceituoso, pode dar azo a uma série de abusos e injustiças.



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sábado, 16 de abril de 2011

sábado, 9 de abril de 2011

Damaia...

Para conhecerem um pouco de DAMAIA


domingo, 3 de abril de 2011

Cafés Filosóficos, para lembrar de Luis...

Uma fala de Warat

Caros alunos, vocês vivem me ouvindo falar em Luis Warat. Não terão, infelizmente, a oportunidade de conhecer essa figura maravilhosa do direito, mas pelo menos, um pouco dele posso mostrar.
Assistam o vídeo e entendam a profundidade da visão desse grande pensador e eterno amigo.







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Doze homens e uma sentença


O filme doze homens e uma sentença na íntegra.
Vale a pena ver de novo, rsrsrs. Reflitamos...


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Texto para os alunos de Penal I


 O direito Penal tem princípios norteadores para evitar abusos como o do quadrinho acima. Existem vários autores que podem embasar nossas discussões em sala de aula. Capez, Mirabete, Zaffaroni, Damásio,  dentre outros não estão, portanto, descartados de nossa análise discursiva e devem ser consultados.
 Entretanto, para facilitar a discussão, o texto do Dr. Edihermes Marques Coelho pode ser um facilitador. Podem baixar o texto no link Fontes do Direito Penal numa perspectiva axiológica. 

Leiam, tragam em aula. Abs.


Indico ainda um filme para que vocês reflitam





E também o filme Juízo, que disponibilizo em totalidade nos links abaixo:






















"A liberdade é um direito inerente ao ser humano, é perfeitamente compreensível porque o homem, apesar da lei, tenta de todos as formas, mantê-la."

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Para os alunos de IED...



Meus Caros.

Encontrei um site que permite baixar o texto do Kelsen que vocês vão fichar. Quero um resumo sistematizado, com indicação de fonte, mesclando o autor e a fala de vocês, como falei em sala de aula. Se copiarem algo do autor, citem a fonte logo após (autor: ano, página) Boa sorte.



Taí o link do Kelsen: O problema da Justiça





 Trabalhemos...

O outro texto que referi, do Dr. Paulo Ferreira da Cunha. esse simpatico catedrático da Universidade do Porto, em Portugal, que está comigo na foto ao lado, está no link : Do direito natural ao direito fraterno

Trabalharemos este texto em aula, portanto, é conteúdo!!!!!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Realismo Jurídico é isso, rsrsrs





Ai amiguinhos, é pra pensar....

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Material para Penal III


Caros alunos de Penal III.
Como sabem, uma virose me pegou. Nessa brincadeira de matar alguém, quiseram um pouco do meu fígado pelo visto, rsrs.
Enfim, para facilitar enquanto estou sendo substituída, segue um texto para auxiliar a galera sobre crimes contra a pessoa, Homicídio

acessem o link: Texto sobre homicídio

baixem, imprimam, tragam à aula. Estudem!!! abs.


domingo, 30 de janeiro de 2011

Reflitamos e façamos a nossa parte...




Mensagem sugerida no facebook pelo professor Paulo Ferreira da Cunha.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Um relato de um magistrado para refletirmos....

Ttortura: Fatores Individuais e Sociais - Uma Reflexão




Há poucos dias sentenciei dois acusados de tráfico e vi indícios contundentes, pelo menos em relação a um deles, de espancamento por parte de policiais militares. Inclusive sequer foi interrogado na delegacia porque necessitou ser internado no hospital. Condenei o outro, mas o que teria sido torturado foi inclusive absolvido, pois ficou comprovado que ele não contribuiu para a prática do crime. Até mesmo o Ministério Público pediu isso nas alegações finais.

Essas sevícias são comumente relatadas e encaminhadas ao Ministério Público, como urge fazer, para investigação.

Para quem estuda criminologia, existe uma teoria chamada de "Teoria das Subculturas Criminais". É como se houvesse um código próprio dentro de determinados grupos e que, diante da falta de meios de controle social eficazes, solidifica-se.

Assim, entre a chamada "malandragem" há todo um cabedal de gírias, de posturas, de estilo de se vestir, de locais comumente freqüentados, de gostos musicais. Já em relação ao meio policial estadual com quem tenho contato mais próximo, é bem verdade que a maioria é honesta e respeitadora, mas também não podemos fechar os olhos para uma realidade: infelizmente, banalizou-se a cultura da brutalidade, a autoatribuição da função de sensor moral sobre os que a ela estão submetidos - invariavelmente pessoas das camadas mais desprotegidas - naquele momento verdadeiras vítimas de castigos físicos e psicológicos por parte de algozes travestidos de agentes públicos.

Paradoxal e contraditória é a conduta do chamado "agente da lei" que, a pretexto de cumpri-la, viola-a! A despeito do que diz a Constituição e a legislação penal, arvora-se na posição de supremo legislador, acusador, julgador e executor de sevícias e desumanidades.

Se verdadeiras ao menos uma parte das acusações que são amplamente relatadas nos meios de comunicação, somente dois fatores as explicariam: um social, que seria a existência dessa cultura da violência, reinante pela conveniência e conivência do Poder Público; e um individual, fruto de uma mente doentia, de uma personalidade antissocial, que sob a ótica psicanalítica se chamaria perversa. Estando ambos presentes, completa-se a barbárie.

Em relação ao fator social, cabe uma reflexão sobre os dados trazidos pelo “Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen”, do Ministério da Justiça. Lá consta o seguinte em relação ao Estado de São Paulo* (dados de junho de 2010):



População Carcerária: 173.060 presos.

Crimes Contra a Pessoa (homicídios e correlatos): 17.113 presos.

Crimes Contra o Patrimônio (roubo e furto, basicamente): 101.949 presos.

Crimes Contra os Costumes: 5.141 presos.

Crimes Contra a Administração Pública (peculato, corrupção passiva e concussão): 110 presos.

Crimes de Tortura (Lei 9.455 de 07/04/1997): 20 presos.



E em relação ao Rio Grande do Norte* (dados de junho de 2010):



População Carcerária: 6.043 presos.

Crimes Contra a Pessoa (homicídios e correlatos): 786 presos.

Crimes Contra o Patrimônio (roubo e furto, basicamente): 1526 presos.

Crimes Contra os Costumes: 138 presos.

Crimes Contra a Administração Pública (peculato, corrupção passiva e concussão): 4 presos.

Crimes de Tortura (Lei 9.455 de 07/04/1997): nenhum preso.



Nos demais estados da Federação não deve ser diferente.



Sob a ótica individual, a psiquiatria explica alguns comportamentos flagrantemente patológicos. Já sob a social, acho que precisamos, Judiciário, Ministério Público e Polícia, fazer a nossa parte.



* Os dados de todos os estados da Federação podem ser encontrados aqui: http://portal.mj.gov.br/transparencia/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN
 
o texto foi retirado do blog :http://rosivaldotoscano.blogspot.com/2011/01/tortura-fatores-individuais-e-sociais.html

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Uma introdução Crítica ao Direito.


Meus alunos de IED, bem como os de penal, sentiram esta semana que o direito pode ser visto por diversas perspectivas.
Descrever o direito requer uma compreensão ampla, radicada em uma visão filófica, em uma pensar sociológico, em um ver antropológico, com algum viés de psicologia, que pormeia a linguagem, a representação, o imaginário, a história e toda sua gama de conhecimentos metajuridicos, inter-muldisciplinares.
São os múltplipos e possíveis olhares sobre esse nosso objeto de cognição que nos possibilitam desvendar os segredos dessa estrutura, a qual, diversas vezes em sala de aula, me refiro como um Matrix que nos cerca.
Hoje, como exemplo, demonstrei na aula de IED que uma cadeira para o mundo do ser, existe em concretude. Mas para o mundo do dever ser, do direito, passa a ser uma representação abstrata da realidade.
Conhecer o universo material que nos rodeia requer um espírito crítico. Conhecer um universo abstrato, ainda mais. O direito é mais que um conjunto de regras, mais que um dever ser, mais que um sistema de normas que estruturam uma dada sociedade, em um dado espaços geográfico, em um determindado tempo. O direito tem ligação estreita com poder e controle, com luta, com valores e ideais de justiça, com exercício de cidadania, com manifestação política ou mesmo representação democrática. Tem fundamentação em uma gama de filosofias que buscam desenvolver teorias acerca do bem comum, da paz, da democracia, da cidadania ou dos direitos humanos.
Para que este universo seja desvendado, para que possamos perceber o mundo que nos cerca como resultante e construtor de nossa realidade social, é preciso permanecer atento, mantendo uma percepção crítica capaz de observar os diversos ângulos que compõem o direito sem nos deixar manipular ou cegar por qualquer ideologia.


Por fim, caros alunos do direito e de IED, segue um link para acessarem a parte da Introdução ao direito do Livro do Michel Miaille que li para vocês em sala de aula. Boa leitura.





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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Carta de Rui Barbosa

Aos meus novos alunos da AJES de Penal e Prática Jurídica Penal, deixo de entrada esta pérola para que reflitamos no nosso próximo encontro. Ah, moçada de IED deve ler também!!!



Este é um trecho da Carta de Rui Barbosa à Evaristo de Morais, onde ele reflete acerca do dever do Advogado.


"A alguns dos novos advogados deve, já, ter ocorrido, em sua

perturbadora perplexidade, aquilo que o profundo Picard

chamou “o paradoxo do advogado”; quero dizer: deve-lhes ter

sucedido refletir no suposto absurdo de poder um homem se

conservar honesto e digno, embora defendendo causas más e

grandes criminosos...

Quanto às causas qualificadas más, de natureza civil, não

me abalanço a discutir, aqui, o grave ponto, remetendo os colegas

para a aludida obrinha de Picard, em a qual, se me afigura, o

problema é resolvido. Muito me apraz, porém (e, decerto, toda

gente compreenderá por quê), comunicar-lhes, perante tão

honroso auditório, o meu sentir e o meu pensar acerca da defesa

dos criminosos, sejam grandes ou pequenos, tenham por si ou

contra si a formidável opinião pública.

Em princípio, a defesa é de direito para todos os acusados,

não havendo crime, por mais hediondo, cujo julgamento não

deva ser assistido da palavra acalmadora, ou retificadora, ou

consoladora, ou atenuadora, do advogado.

Após duas páginas e meia sobre a arbitrariedade da ausência de

advogado, mormente durante a Revolução Francesa, cuja lei não

concedia defensores aos conspiradores, volta aos dias e à sua experiência

de advogado criminal, aconselhando seus colegas:

"Tomai cuidado com os impulsos do vosso brio profissional,

com o impetuoso cumprimento do vosso dever, nesses casos de

prevenção coletiva: se seguirdes tais impulsos, tereis de suportar

desde os insultos mais soezes até à manhosa dissimulação das

vossas razões e dos vossos argumentos de defesa. Por pouco vos

dirão que tivestes parte na premeditação do crime e que, com

defendê-lo, só buscais o lucro pecuniário, o prêmio ajustado da

vossa cumplicidade na urdidura do plano criminoso.

Mas, se um dia tiverdes de vos defrontar com esta situação –

de um lado o infeliz que exora, súplice, o vosso patrocínio, de

outro lado, a matilha que anseia para o despedaçar sem processo

– recordai-vos das sentenciosas palavras desse que não tem igual

no seio da nossa classe, desse que é por todos os mestres reputado

Mestre e cujo nome fora supérfluo citar, de novo. Recebi-as eu,

como lição suprema e definitiva, em um dos mais angustiosos

transes da minha carreira forense."(1)

O dever do Advogado.
Para ler todo o texto na íntegra, acessem o link a seguir: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_ODever_do_advogado.pdf

Depois, deixem aqui, em depoimento suas primeiras impressões... Aguardo suas considerações. Abraços a todos!

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Notas
1 Texto extraido do artigo em pdf elencado no link acima, p. 22-23.





E, para fechar, depois que vocês lerem o texto, dêem uma olhadinha nesse vídeo e preparem-se para começar esse processo de reflexão...







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sábado, 1 de janeiro de 2011