Foi decretado o
retorno ao Faroeste caboclo no Brasil. Com sentimento de tristeza e pesar de
quem percebe que a medida legal só terá como resultado o aumento da violência. Minha posição sempre foi contrária à posse de
arma. Penso nas vítimas que agora vão perecer na mão de pessoas despreparadas e
mentalmente desajustadas como o Ministro da Casa Civil que compara uma arma a
um liquidificador quanto ao perigo.
Comemoram os
donos da Taurus, comemoram os Bolsominions.
Eu, no entanto, choro pelas crianças, pelos adolescentes,
pelos índios, pelos mendigos, pelos negros, pelos LGBTs, pelas mulheres, pelos
idosos, pelos jovens… Minhas lágrimas antevem o resultado
dessa política nefasta que não se preocupa com as causas da insegurança criando
mais do mesmo. A memória me leva de volta a uma infância onde a posse de arma
era permitida; recordo de meu pai e da violência com que ele agia na minha
infância.
Minha mãe foi
vítima de mais de uma tentativa de feminicídio por ele antes de eu completar
treze anos. Lembro do revolver na sua cintura, dos dias em que em desequilíbrio
saia porta a fora armado e dizendo que ou ia se matar ou matar alguém. Recordo
que eu e meus irmãos chorávamos e
rezávamos para não ficarmos órfãos. Lembro cenas de horror. Tiros para a rua
porque o time de futebol ganhou ou perdeu, sentir-se mais homem com uma arma
nas mãos. E dou graças a Deus por que
esta arma não existe mais.
Mas agora são
homens assim que vão sair correndo comprar uma arma para ostentação: inseguros,
imaturos, desequilibrados, despreparados como era um conhecido meu que ia
armado para os eventos. Recordo do dia
que ele matou três de meus amigos em uma discussão, tudo terminou tragicamente
porque o cidadão tinha uma arma de fogo ao seu alcance. Recordo o choro da mãe
enterrando seus três filhos e de minha melhor amiga que tinha só 12 e chorava porque não tinha mais irmãos e já havia
perdido o pai baleado. E também da pena que o rapaz recebeu pelo triplo homicídio. No mesmo dia, perdi quatro amigos.
Recordo do meu
padrasto armado correndo na rua atrás de alguém que tentara entrar em casa à noite. Meu padrasto podia ter levado um tiro se o rapaz também estivesse armado, porque se sentiu tão poderoso que esqueceu até
que estava só de cueca e revólver a correr na rua tentando capturar o sujeito. E, me lembro das vezes que tirei o
tauros 38 das mãos de meus irmãos menores
e curiosos que procuravam por toda casa até encontrar o revolver para
brincar. E se eu não chegasse a tempo, seria como cortar o dedo no
liquidificador? Duvido muito.
Graças a uma arma na mão da pessoa errada, um amigo bombeiro que foi morto
pelo sogro com disparo de sua arma de fogo em uma discussão banal. Cabeça quente e arma na mão é indício
de tragédia. E falando nela, recordo do assalto que sofri dentro de casa com
toda minha família refém de uma arma e quatro indivíduos no Mato Grosso, se ali existissem quatro armas, elas
acabariam parando no arsenal deles, pois teria sido impossível reagir sem
balear alguém da minha família. Recordo
de outra vez que fui assaltada no Rio de Janeiro e fiquei entre a arma do ladrão e a do segurança
da empresa para onde corri em busca de ajuda, numa cena de faroeste com tiros
para todo o lado. Naquele dia só o que eu queria era chegar em casa e abraçar
meu filho, mas sei que se eu portasse uma arma naquele momento, estaria morta hoje.
Recordo da minha babá embaixo da cama no morro enquanto o tiroteio corria solto, do pavor. E da noite em que o tiroteio saiu do morro para a porta da minha casa. Deitei no chão e chorei como criança e se tivesse uma arma naquele momento de nada me adiantaria. Lembro das balas traçantes, lembro que não era mais seguro quando meu pai tinha um revólver para brincar de mocinho, na verdade ele se transformava em nosso algoz.
Recordo da minha babá embaixo da cama no morro enquanto o tiroteio corria solto, do pavor. E da noite em que o tiroteio saiu do morro para a porta da minha casa. Deitei no chão e chorei como criança e se tivesse uma arma naquele momento de nada me adiantaria. Lembro das balas traçantes, lembro que não era mais seguro quando meu pai tinha um revólver para brincar de mocinho, na verdade ele se transformava em nosso algoz.
Me sinto pesarosa diante das pessoas que estão pagando para ver, os inocentes úteis. Sei que os índices da violência vão aumentar em casa e na rua no Brasil. Sei
que as futuras vítimas armarão a mão do bandido com sua arma comprada em mil prestações
nas casas Bahia. Sei que crianças vão morrer por acidente, outras vão ser
baleadas em sala de aula por coleguinhas que serão presos e jogados no presídio
se tiverem 16 anos ou mais. Sei que o feminicídio aumentará, assim como o
genocídio indígena, como o assassinato de gays, lésbicas, trans e qualquer um que ouse
dizer diferente; assim como os estupros, as ameaças, a morte. É para proteger os cidadãos de bem que essa lei foi feita? Realmente não!
Quem vai lucrar com isso? Quem lucra levando o homem de volta à Lei de Talião?
Não é preciso ser muito inteligente para perceber, mas estamos cegos. Há quem acredite que é como quando eramos criança e brincávamos de bandido e mocinho… Só que não! Só que não!
Se a liberação de armas levasse ao fim da violência, quem assinou o decreto com caneta Bic com certeza teria reagido e garantido sua propriedade fazem alguns anos. A caneta genocida e seu dono estão escondidos em carros blindados e atrás de seguranças armados. Já nós, pobres somos mortais.Não é preciso ser muito inteligente para perceber, mas estamos cegos. Há quem acredite que é como quando eramos criança e brincávamos de bandido e mocinho… Só que não! Só que não!
Uma coisa é verdade, fica bem mais fácil perder a vida depois disso, pois as armas estarão a mão de uma sociedade deprimida facilitando o suicídio e a morte acidental. Muitas mães chorarão por isso, a maioria negra e pobre. A lista do Papai Noel bélico da gurizada dos homens de Bens vai ser interessante; papai eu quero uma arma... e ela ali estará, aguardemos.
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