Resolvi colocar o teclado para funcionar hoje após ler uma matéria veiculada no facebook que mencionava a posição de grande parte do Tribunal da Justiça do Rio de Janeiro acerca de negarem o direito a penas alternativas para o tráfico de drogas. A manchete era a seguinte: Substituição de pena: TJRJ tende a afastar a pena alternativa ao tráfico. Eis o motivo pelo qual não me resignei e decidi registrar meu protesto nas vias virtuais.
Fazem duas semanas que, incessantemente, venho discutindo em sala de aula com meus alunos os princípios e fundamentos constitucionais onde devem beber as demais normas do nosso ordenamento jurídico. Discutimos Kelsen, a supremacia constitucional, a importância dos princípios como informadores da vontade do legislador constituinte originário quando elaborou o projeto do vir a ser do Estado democrático de direito. Falamos acerca da hermenêutica jurídica, da necessidade do interprete, seja ele quem for, de beber nas fontes constitucionais o elixir da legitimidade de seus atos, contratos, decisões, leis, etc. Cada princípio, a começar com o da legalidade, igualdade, reserva legal, anterioridade da lei penal, proporcionalidade e razoabilidade, devido processo legal, individualização da pena, nulla poena sine culpa e tantos outros, em uma verdadeira luta quase que cabalística, de uma professora Dom Quixote contra os Moinhos de vento do senso comum, do "eu acho", do "não quero que seja assim"...
Alunos do curso de direito, muitas vezes, são comparados por nós professores à Desembargadores. Não porquê um Desembargador não tenha conhecimento, mas porque, geralmente, à eles se atribui toda uma gama de conhecimento, sobre a qual, não se cabe mais acrescer ou discutir. Eis o senso comum da sociedade acerca do Judiciário. Eis a brincadeira que se faz com o estudante, afim de que ele perceba que deve manter a humildade e galgar a montanha do conhecimento, passo à passo, respeitando os direcionamentos do professor e, se posicionando com base não no " eu acho" mas, pautado no conhecimento enraizado na pesquisa, na leitura da doutrina, da jurisprudência e tudo mais... até chegar a Desembargador, ou assumir um posto douto na seara jurídica.
Mas esse discurso cai por terra quando percebemos que ainda existem no Judiciário, de fato, muitas decisões galgadas em posições de "eu acho", "eu penso", "eu sou Deus, sem dúvida!".
Em um momento histórico onde se consolida a ideia de soberania constitucional, decidir-se contra direitos consagrados nos princípios e garantias constitucionais é uma involução e não um avanço! De fato, como bem ensino aos doutos colegas, alunos de minhas modestas aulas de penal, mesmo a IBP (interpretação da besta da professora) deve se ater aos valores adotados pela constituição sob pena de inconstitucionalidade. Logo, em uma ordem constitucional, já referia o MM. Juiz Marshal no caso Marbori versus Madison, não pode haver Lei ou mesmo contrato que seja maior que a Constituição (e acrescento eu, modestamente, nem sentença, nem acórdão)!
Nos crimes relacionados ao tráfico de drogas, temos uma lei que fere claramente vários princípios constitucionais. Como muito bem defende Karan, várias condutas, de menor e de maior potencial ofensivo, estão abarcadas de forma não razoável, dentro do tipo "tráfico de drogas" ( o aviãozinho, o traficante armado, aquele que armazena a droga, quem tem toneladas da droga e quem tem algumas gramas, quem a embala, produz, transporta, o trabalhador do tráfico, etc, etc..). Lembro muito bem do traficante que deu azo ao filme Meu Nome não é Johny, que, apesar de movimentar milhões em tráfico internacional, nunca tocou em uma arma. Associar todas essas condutas a uma pseudo violência é desconhecer a realidade do problema das drogas e, através de uma generalização inconstitucional, punir desarrazoadamente, desproporcionalmente, sem considerar a implicação de cada indivíduo, seu alcance e mesmo a culpabilidade, no crime que se pretende punir. Nesse sentido o STF já se pronunciou. Equiparar analogicamente a questão das drogas como crime hediondo e retirar a todo e qualquer "traficante" o direito de penas alternativas, é um desconhecimento, ou mesmo uma postura de descomprometimento com a resolução do problema e com a efetivação das garantias constitucionais e mesmo, do Estado democrático de Direito! Assim como nossos atos, o contrato, a sentença ou mesmo a tendência de um Tribunal devem se ater à moldura constitucional, sob pena de inconstitucionalidade!
Em suma, é dever do juiz (e direito do acusado), que ao observar o caso concreto, seja analisada a culpabilidade do sujeito, o nexo causal e as circunstâncias do delito, descritas no art. 59 do CP, fazendo a individualização da pena, dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme determina a Constituição Federal. Do contrário, podemos queimar os livros de Penal e a Constituição em praça pública, fechar os cursos de direito e empossar no cargo de Desembargador os meus alunos de direito do primeiro semestre.
Andréa Madalena Wollmann
Professora de Direito Penal na AJES, Advogada, Ms. Política Social.